Amar sem fronteiras: além da distância, o amor

Psicóloga especialista em saúde emocional, Raquel Appleby compartilha orientações para fortalecer a intimidade e a confiança em relacionamentos de pessoas de diferentes culturas

 Caíque Fernandes e Sinara Oliveira

Em um mundo cada vez mais conectado pela internet, encontrar o amor do outro lado do oceano se tornou uma possibilidade real, para muitos, até uma escolha de vida. Os relacionamentos à distância, antes vistos com ceticismo, hoje ganham mais força com as facilidades da tecnologia e a abertura para o novo. Será que o amor sobrevive mesmo quando há fuso horário, idiomas, culturas diferentes e separação geográfica?

Para a cantora brasileira Sara Taiz, de 29 anos, natural de Feira de Santana, Bahia, que vive um relacionamento à distância com o chinês Li Jun Bin, de 26 anos, é possível. Mesmo com as dificuldades e fuso horário diferentes, eles descobriram novas formas de construírem uma relação baseada em respeito, cuidado, muito carinho e aprendizado.

“Começou com amigos em comum que nos apresentou. Então, chamaram ele em vídeo chamada e eu estava presente, no momento em que nos vimos tudo foi muito mágico. Ele me quis e eu quis ele. Olhando dentro do olhos e trocamos algumas palavras em inglês, depois trocamos contato e nunca deixamos de nos falar”, contou ela.

Menina com boca aberta

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Sara Taiz e Li Jun Bin em conversam diariamente. Reprodução: Acervo pessoal.

“Nós falamos todos os dias, seja por vídeo chamada ou mensagens de texto, não importa o dia ou hora, sempre estamos conectados”, disse Sara Taiz.

Tecnologia a favor

Com o avanço da tecnologia e a presença constante das redes sociais no cotidiano, os relacionamentos à distância têm se tornado cada vez mais frequentes. Plataformas digitais como aplicativos de namoro, fóruns e redes de mensagens instantâneas aproximam pessoas separadas por quilômetros, possibilitando o surgimento de laços afetivos entre os seres humanos de diferentes cidades, países e até continentes.

Esses vínculos, muitas vezes, ultrapassam fronteiras culturais, dando origem aos chamados relacionamentos interculturais. Casais formados por pessoas de diferentes nacionalidades compartilham experiências únicas, marcadas pela troca de costumes, idiomas e tradições. Esse tipo de relação, embora enriquecedor, exige uma dose extra de compreensão e adaptação por parte dos envolvidos, especialmente diante de diferenças culturais e hábitos distintos.

No caso de Sara Taiz e Abin, por exemplo, a manutenção desse tipo de relacionamento depende de fatores como comunicação constante, confiança mútua e planejamento para encontros presenciais. O uso de videochamadas e redes sociais facilita o contato diário e ajuda a reduzir a sensação de distância. Ainda assim, desafios como o fuso horário, barreiras linguísticas e a ausência de contato físico frequente permanecem presentes e exigem resiliência do casal.

Mais do que manter o contato, Sara e Abin construíram hábitos afetivos que ajudam a criar uma sensação de presença na rotina um do outro. Um deles envolve algo simples, mas significativo: acompanhar o trabalho à distância. “No meu caso, sempre falamos quando ele está trabalhando, ele gosta que o veja em sua rotina de trabalho.”

Inseguranças

A distância, inevitavelmente, pode potencializar inseguranças. Porém, para Sara, o alicerce da relação é a confiança de ambas as partes. A fidelidade, para o casal, não é algo controlado, mas vivenciado com naturalidade e respeito. Mesmo longe, eles se sentem seguros no amor que construíram juntos.

Eles ainda não se viram fisicamente, mas os planos de vida em comum já foram colocados em pauta. Falar sobre casamento e convivência futura faz parte da rotina de conversas do casal, embora o local onde irão morar ainda esteja indefinido. “Sim, ele já veio com a certeza de que iríamos casar, mas ainda estamos decidindo se vamos residir no Brasil ou na China”.

Sobre as diferenças culturais e personalidades ela comenta: “Além do idioma, temos personalidades diferentes, ele é super tímido, eu já sou muito comunicativa”. Ele simplesmente ama meu jeito extrovertido diferente do dele tímido, ele diz que sou a sua luz, e por causa desse meu jeito deu certo também nosso relacionamento LDR”, finalizou.

Desafios

Manter um relacionamento à distância se tornou um desafio para Larissa Silva, de 26 anos, natural de Feira de Santana, na Bahia, que conheceu seu ex-parceiro em um ambiente religioso, onde ambos compartilhavam a mesma fé.

No início, a distância entre os dois se resumia aos estados: ela morando na Bahia, enquanto ele morava em São Paulo. Porém, o relacionamento precisou se adaptar a um novo nível de desafio quando ele foi transferido para o Japão a trabalho. “Precisávamos adaptar o horário de fazer videochamadas por conta da diferença de fuso, que era de 12 horas”, relembrou

Larissa. As dificuldades eram inevitáveis: o único momento possível para conversarem era pela manhã, horário em que ela também precisava lidar com faculdade, estágio e afazeres domésticos.

Segundo ela, mesmo com as limitações, o casal encontrava formas de manter o vínculo: conversas constantes por vídeo, trocas de presentes enviadas por conhecidos em comum e o esforço mútuo para permanecer próximos, ainda que separados geograficamente. Mesmo assim, o peso da distância acabou se tornando um obstáculo. “Sim e não”, diz ela, ao ser questionada se a distância foi a responsável pelo fim da relação. “A distância pesou muito, mas acredito que o fim do relacionamento se deu por questões pessoais.”

Larissa acredita que, apesar do fim do relacionamento, a experiência deixou aprendizados importantes para ela. “Tive certeza de que não sou uma pessoa ciumenta e de que um relacionamento só pode ser completo com a convivência e o compartilhamento de experiências presencialmente”, afirmou.

Para quem pensa em iniciar um relacionamento à distância, ela deixa um conselho bem sincero: “Se há sentimento verdadeiro e recíproco, pode dar certo. Mas o casal precisa estabelecer prazos e, em algum momento, decidir morar perto um do outro. É uma decisão difícil, que precisa ser bem ponderada.” Questionamos se ela viveria tudo isso novamente, ela foi bem direta: “Não faria”, finalizou. Por uma questão pessoal, Larissa pediu que sua imagem fosse preservada.

Fronteiras geográficas e culturais

A psicóloga Raquel Appleby, especializada em relações e saúde emocional, compartilha sua experiência clínica e pessoal para entender como o amor atravessa fronteiras geográficas e culturais — e como isso afeta o bem-estar dos envolvidos.

Raquel Appleby, psicóloga e especialista em relações e saúde emocional , destaca que relacionamentos entre pessoas de diferentes culturas podem, sim, afetar profundamente o estado emocional. Foto: Acervo Pessoal.

“A interculturalidade traz beleza e crescimento, mas também pode gerar choques emocionais e identitários”, afirmou a psicóloga. Diferenças na forma de expressar afeto, lidar com conflitos ou interpretar silêncio e distanciamento podem provocar mal-entendidos, solidão e até crises de identidade — especialmente quando um dos parceiros vive fora do próprio país.

Reprodução: Dreamstime

O artigo Relacionamento Virtual – Janela de Oportunidades ou Pesadelo? do autor Luis Everaldo publicado em junho de 2025 no linkedin, destaca aspectos positivos dos relacionamentos virtuais. O autor apresenta casos de sucesso e enfatiza como a tecnologia pode aproximar pessoas de diferentes locais. Segundo a Universidade de Stanford, em 2022, 40% dos casamentos nos Estados Unidos começarão de forma online.

No Brasil, Luis Everaldo cita casos marcantes, em destaque, sobre um casal de São Paulo que se conheceram através do aplicativo de relacionamento Tinder, em 2017, e fundaram juntos uma empresa de turismo para casais ganhando destaque nacional.

Reprodução: Pinterest

“Relacionamentos à distância já exigem maturidade emocional, comunicação clara e confiança. Quando somamos a interculturalidade, os desafios se aprofundam: diferenças nos valores afetivos e familiares, barreiras linguísticas e nuances emocionais na comunicação, fusos horários e rotinas desconectadas, sensação de solidão e falta de pertencimento em ambos os mundos. A ausência física pode intensificar a insegurança, os mal-entendidos e o medo do abandono”, afirmou a psicóloga Appleby.

Distância que desafia a confiança

Outro ponto sensível é a desconfiança, que tende a se intensificar em relações à distância. “A distância pode acionar feridas emocionais antigas, como medo de abandono ou rejeição”, explicou a psicóloga. Para lidar com isso, o trabalho terapêutico é focado em desenvolver segurança interna, comunicação aberta e acordos claros. “A confiança não nasce do controle, mas da autorregulação emocional e transparência afetiva”, enfatizou.

É comum que um dos parceiros comece a se sentir distante ou desmotivado. Nesses casos, a psicóloga recomenda criar um espaço seguro para o diálogo, com perguntas como: “O que você está precisando agora?” ou “O que mudou pra você?”. Afastamentos emocionais podem ser reflexo de estresse, cansaço ou incertezas quanto ao futuro do casal.

Pequenos rituais, grandes conexões

Apesar da distância, é possível cultivar conexão e intimidade com estratégias simples. Appleby sugere rotinas afetivas — como mensagens de bom dia e vídeos antes de dormir —, além de conversas mais profundas marcadas com intencionalidade. Surpresas simbólicas, como cartas ou playlists, também ajudam a manter o vínculo vivo. “Eu e meu noivo, por exemplo, assistimos a filmes ou séries juntos nos finais de semana e depois conversamos sobre eles. Isso nos diverte, aproxima e nos ajuda a nos conhecer melhor”, compartilhou.

A terapia individual ou de casal é indicada não apenas em momentos de crise. “Quando os conflitos se repetem, há quebra de confiança ou sofrimento emocional, o apoio psicológico pode ajudar. Mas também vale como prevenção, para fortalecer o vínculo e alinhar expectativas”.

Padrões emocionais

Appleby já acompanhou muitos casos em que um dos parceiros se sente sobrecarregado ou inseguro. Entre os padrões recorrentes, ela aponta: desequilíbrio na entrega emocional, dificuldade de alinhar expectativas culturais, e medo constante de ser esquecido. Ainda assim, ela garante: há histórias inspiradoras. “Acompanhei uma paciente brasileira e um parceiro coreano que, mesmo vivendo em países diferentes por dois anos, mantiveram a

conexão por meio de rituais afetivos e terapia. Hoje vivem juntos, casados, e cuidam da relação com muito respeito às diferenças”.

A saudade constante, segundo a psicóloga, pode evoluir para ansiedade, tristeza crônica ou até sintomas depressivos. A melhor forma de lidar é manter vínculos locais, investir em autocuidado e manter uma vida emocional ativa além do relacionamento.

Outro desafio é o tempo: “Quanto tempo vamos ficar assim?” é uma pergunta que causa angústia. A imprevisibilidade, a desconexão de rotinas, e os ciúmes alimentados por redes sociais também alimentam o sofrimento emocional.

Intimidade mesmo longe: é possível?

Sim. A intimidade emocional depende da escuta ativa e da vulnerabilidade, enquanto a sexualidade pode ser reinventada com criatividade e segurança. A psicóloga fala que quando há vínculo emocional profundo, o toque físico é aguardado, mas não é o único caminho para o prazer e a intimidade. “Existem formas saudáveis de manter o erotismo mesmo longe, desde que haja respeito mútuo”, disse.

Apesar dos desafios, a interculturalidade pode fortalecer os laços. “Casais de culturas diferentes desenvolvem mais empatia, flexibilidade emocional e saem do roteiro social para criar um novo modelo de amor”, afirmou Appleby.

A tecnologia é aliada essencial nesse processo, desde que usada com sabedoria. “Ela deve ser uma ponte, não um instrumento de controle. Vídeos, mensagens, emojis e músicas são formas válidas de expressar amor, mas o excesso de vigilância pode gerar dependência e ansiedade”, concluiu.