“Brabas”: Resistência Feminina no Recôncavo se prepara para 4ª Edição do Baile

Com criatividade e colaboração, o evento cultural em Cachoeira se torna símbolo de transformação no hip hop e de afirmação da presença de mulheres na cena artística local

Jéssica Melo

Segunda edição do Baile das Brabas/ foto: acervo do baile das brabas

As organizadoras do “Baile das Brabas” estão em busca de recursos para realizar a 4ª edição do evento, em 2025, que se consolidou como um marco de resistência e celebração da força feminina no hip hop e na cena artística de Cachoeira, no Recôncavo da Bahia. Alice Nascimento, uma das idealizadoras, destacou os desafios de organizar um evento cultural sem apoio financeiro, especialmente quando o protagonismo feminino está em foco.

“Realizar um evento cultural em Cachoeira já é uma tarefa difícil, ainda mais sem recursos financeiros. Quando o protagonismo feminino está envolvido, os desafios se tornam ainda maiores”, afirmou Alice Nascimento.

Criado por mulheres talentosas e visionárias ligadas à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e ao Centro Comunitário de Ordem Visual Luiz Orlando, o “Baile das Brabas” tem se destacado como um importante evento cultural em Cachoeira. Mais de 200 pessoas participam de cada edição, celebrando a força das mulheres no hip hop e a identidade cultural da região. 

O evento vai além do entretenimento, funcionando como um grito de resistência e empoderamento feminino. Essa iniciativa é possível graças à dedicação de uma equipe formada por Alice Nascimento, Suane Martins e Suzana Martins, na produção executiva; Tainara Mendes e Francine França, na produção; Gabriela Santos, Clara Rodrigues e Victoria Cristyne, na comunicação; e Tainá, que atua na pesquisa e na produção.

O “Baile das Brabas” se consolida como uma celebração da força feminina no hip hop, reafirmando o compromisso de dar visibilidade às mulheres na cultura e na arte, enquanto inspira outras a seguirem esse caminho de resistência e empoderamento.

Alice Nascimento um das coordenadoras do baile/ Foto : Acervo do Baile das Brabas

Sem apoio financeiro

Sem patrocínios ou apoio financeiro, o “Baile das Brabas” sobrevive graças à criatividade, à colaboração da comunidade e a eventos paralelos, como rifas, brechós e a “Sexta das Brabas”, que arrecadam entre R$ 600 e R$ 800. Esses valores são investidos na estrutura do evento, no deslocamento de artistas e na aquisição de bebidas. A comunidade local também participa ativamente, vendendo alimentos e bebidas durante as edições, fortalecendo ainda mais o caráter coletivo e comunitário do evento.

Alice Nascimento destaca que, apesar das dificuldades financeiras, o evento tem sido bem acolhido pela comunidade. Ela acredita que o objetivo de promover o protagonismo feminino e a resistência cultural está sendo alcançado.

“Temos enfrentado dificuldades, mas sentimos que estamos cumprindo nosso propósito”, afirmou Alice Nascimento.

Hip Hop como ferramenta de transformação

O “Baile das Brabas” transcende a proposta de ser apenas um evento musical: é uma celebração da luta das mulheres no hip hop. Embora o movimento tenha surgido na década de 1960, em Nova Iorque, como uma expressão de resistência e luta por direitos humanos, a presença feminina no gênero permaneceu invisibilizada por muito tempo. No Brasil, onde o hip hop começou a ganhar força nos anos 1990, as mulheres ainda enfrentam desafios significativos para conquistar espaço nesse cenário historicamente dominado por homens.

O evento, portanto, reafirma a importância de as mulheres ocuparem esses espaços, promovendo representatividade e equidade. A inclusão feminina no hip hop vai além da música, abarcando o direito de ocupar os palcos, exibir seus talentos e conquistar reconhecimento.

Protagonismo feminino em destaque

A presença de mulheres como Gilvana Souto da Conceição, mais conhecida como MC Mil Grau, de Cachoeira, exemplifica o protagonismo feminino no Baile das Brabas. Além de MC, Gilvana é proprietária da Soutótica e designer de moda praia, mostrando sua versatilidade e determinação em diversas áreas.

MC Mil Grau reconhece que o machismo ainda é um desafio significativo no hip hop. “Eles normalizam quando os homens falam de qualquer tema, mas, quando somos nós, mulheres, que trazemos uma visão mais direta e crítica, não somos vistas com os mesmos olhos. Parece audacioso demais”, afirmou.

Conciliando a rotina de mãe, trabalhadora e artista, ela destaca a importância de uma rede de apoio para enfrentar as múltiplas funções que exerce. “Cuidar, trabalhar, prover, tudo isso enquanto corremos atrás dos nossos sonhos é muito difícil, mas a gente não pode desistir. Temos que nos desdobrar porque sabemos que nossa voz é importante”, disse MC Mil Grau.

Suas músicas desafiam estereótipos, afirmando que as mulheres têm o direito de se divertir e viver sem pressões impostas pela sociedade. “A mesma sede que dá no boi, dá na vaca. Precisamos normalizar que mulheres também querem sair, curtir e se divertir sem precisar ceder às expectativas dos outros”, completou a MC, reforçando a mensagem de liberdade e empoderamento feminino.

Quebrando barreiras

Jam Sankofa, nascida em Pernambués, Salvador, e atualmente moradora de Santo Amaro, é outra protagonista do Baile das Brabas. Seu primeiro contato com o hip hop ocorreu entre 2006 e 2007, aos 14 anos, quando começou como dançarina e, posteriormente, se tornou coreógrafa. Apaixonada pelo Recôncavo Baiano, Jam encontrou no movimento uma forma de expressar suas vivências pessoais.

“O rap sempre teve um papel transformador na minha vida, ajudando-me a reconstruir minha identidade e compreender questões que afetavam minha comunidade”, refletiu Jam Sankofa.

Jam Sankofa / Foto : Acervo do baile das Brabas 

Vedeta MC, rapper angolana e residente em São Francisco do Conde, é estudante da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e também integra o evento. Ela ressalta a relevância do Baile das Brabas na valorização das mulheres no hip hop.

“Os homens precisam reconhecer nossos esforços e refletir sobre seus privilégios. Eles devem se comprometer a abrir mais espaços para as mulheres de forma genuína”, afirmou Vedeta.

          Mc Vedeta/Foto: Acervo do Baile das Brabas

O evento, para Vedeta, é uma plataforma que amplifica as vozes femininas e combate o machismo, sugerindo que algumas edições do Baile sejam exclusivas para mulheres no palco, enquanto os homens acompanham da plateia, como forma de valorizar ainda mais o talento feminino. Ela encerra com uma mensagem poderosa:

“O hip hop é uma arte, e viver sem arte sufoca. Então, que levantemos a cabeça, ergamos o punho e avancemos. Porque o hip hop também é nosso. O hip hop é a nossa voz, e a nossa voz é a revolução”, destacou Vedeta.

Revolução no Hip Hop

Dricotta, nome artístico de Adrielle, natural de Cruz das Almas, é outro exemplo de resistência no movimento. Iniciou sua carreira no rap em 2021, participando de batalhas de rima e compondo poesias e músicas. “Um momento marcante foi quando participei da música do Fórum da UFRB, em 2022, mesmo sem estudar lá. Isso mostrou que meu trabalho estava sendo reconhecido”, contou Dricotta.

Em 2023, teve um grande marco ao se apresentar na Flipo, em Castro Alves, ao lado do Coletivo da Quebrada, abrindo o evento para Gabriel o Pensador. Embora não tenha enfrentado dificuldades diretamente ligadas ao machismo, Dricotta reconhece o que muitas mulheres no hip hop enfrentam. “Sei como muitas mulheres são rebaixadas por fazer o que os homens fazem, e muitas vezes, até melhor”, disse ela.

Dricotta vê o Baile das Brabas como essencial para mostrar que as mulheres têm espaço no hip hop e podem inovar e transformar o gênero com talento e criatividade. “Quando me apresentei no Baile, me senti muito acolhida. Cada mina que subia ao palco me inspirava.”

                  Dricotta/ Foto: Acervo Pessoal

Experiência do baile 

O “Baile das Brabas”, consolidado como um evento de resistência e empoderamento feminino, oferece um espaço onde mulheres dominam o palco, destacando-se em gêneros historicamente masculinos, como o rap e o hip hop. Para a MC Jayne, uma das grandes potências do rap de Cachoeira, o empoderamento feminino é visível nas apresentações e no impacto que elas causam nas meninas que assistem. “O empoderamento acontece nas meninas que se sentem mais livres ao ver outras mulheres cantando e se apresentando com toda a potência que possuem”, afirma Jayne, destacando a importância do evento em um ambiente machista como o rap.

O protagonismo feminino é claro em todas as edições, com atrações majoritariamente compostas por mulheres que desafiam o machismo. Well, morador de Cachoeira, ressalta que, embora outros artistas como DJs também agreguem ao evento, o foco principal é o empoderamento feminino e o acolhimento de todos, sem julgamentos. “O Baile das Brabas é um espaço seguro para corpos vulneráveis, como o feminino e o LGBT”, completou.

Luis Ricardo, morador de Santo Amaro, também compartilhou sua experiência na última edição, destacando a energia transformadora do evento e como ele reflete a luta por mais espaço para as mulheres. “O evento se tornou uma plataforma de resistência, onde as mulheres não só se apresentam, mas se sentem acolhidas e fortalecidas”, disse Luis, evidenciando o caráter inclusivo do Baile.

O “Baile das Brabas” é mais que uma festa; é um símbolo de resistência contra as violências estruturais que afetam mulheres, negros e LGBTs. Drica Barbosa, cantora de rap, afirma que sua música fala da vitória das minas e das monas, refletindo as interseccionalidades das opressões que envolvem racismo, capitalismo e patriarcado. Para Well e Luis Ricardo, o evento é um espaço de fortalecimento e reconhecimento, onde o empoderamento feminino se conecta com a luta racial e por uma sociedade mais inclusiva.

Assim, o “Baile das Brabas” é um exemplo de como a música e a cultura podem ser ferramentas de transformação social, promovendo a equidade, o acolhimento e a resistência, tocando todos que participam dessa celebração de identidade e liberdade.

O impacto do Baile das Brabas no Recôncavo

O evento vai além da proposta de ser uma celebração musical, tornando-se uma plataforma de luta e transformação social. O hip hop, embora tenha surgido como um movimento de resistência e luta por direitos humanos, ainda enfrenta grandes desafios no que diz respeito à presença e valorização das mulheres dentro deste espaço. Por isso, o “Baile das Brabas” reafirma a importância de ocupar os palcos e destacar a representatividade feminina no gênero, combatendo a invisibilização das mulheres dentro do hip hop.

Pessoas reunidas na segunda edição do Baile das Brabas/ Foto: Acervo do Baile das Brabas

Fundamental para garantir visibilidade às mulheres que atuam no movimento, ampliando seus espaços e, ao mesmo tempo, desafiando o machismo presente na cultura do rap e do hip hop. Ele não se limita a ser um espaço de diversão, mas é também uma verdadeira plataforma de resistência, onde as mulheres podem expressar suas vivências e reivindicar seus direitos de maneira potente. A presença de artistas femininas não se restringe à música, mas também engloba outras formas de expressão, como a dança e o grafite, sempre com foco na valorização do protagonismo feminino.

A atuação do “Baile das Brabas” também se destaca por seu caráter inclusivo, acolhendo não apenas mulheres, mas também a população LGBTQIAPN + e outras pessoas que se sentem à margem da sociedade, criando um ambiente seguro e de acolhimento para corpos vulneráveis. Cada edição do evento reafirma a importância da luta pela igualdade de gênero, racial e de espaços para todas as vozes no hip hop. Ao longo dos anos, o evento tem mostrado que, mesmo diante das dificuldades, a resistência e a arte podem ser ferramentas poderosas para transformar a realidade e abrir caminhos para uma sociedade mais justa e inclusiva.

O “Baile das Brabas” é muito mais do que um evento de rap: é um símbolo de resistência, empoderamento feminino e um reflexo da luta constante por igualdade, representatividade e justiça social no Recôncavo da Bahia.