Por Vinícius Neves
Apesar de novembro ser marcado por campanhas que exaltam a consciência negra, a luta das comunidades quilombolas ultrapassa os limites de um mês dedicado à reflexão. Persistem desafios históricos e contemporâneos como a conquista e a titulação de terras, o enfrentamento de preconceitos e a busca por direitos básicos. Quilombos como os da Bahia de modo geral exemplificam como a resistência coletiva se adapta aos novos tempos, mantendo viva a herança de luta por dignidade e liberdade. Com cultura e tradição celebram o 20 de Novembro, se articulando entre si com coletividade. Com mais7 de 6 mil comunidades reconhecidas no Brasil, a história dos quilombos continua sendo escrita, agora como símbolo de união e transformação social.
Pioneirismo quilombola – Jogados à própria sorte, com uma história marcada por lutas, resistências e dor, os primeiros quilombolas se juntavam em grupos para se fortalecerem, num cenário de uma condição que os perseguia apenas por existirem e não permanecerem sendo escravizados, subiram os morros e o acesso ao mínimo lhes foi negado. Há de se saber que nestas condições as resistências se formaram, entre as lutas e as dores se fortaleceram e multiplicaram os seus. Ali nos quilombos, desenvolveram suas próprias tecnologias de sobrevivência, o que hoje chama-se de “afrocentrar” ou “aquilombar”. Mesmo numa sociedade que os sufocavam, que sonhava com a “Redenção de Cam”, persistiram, se fortaleceram, seguiram em frente com a única coisa que possuíam, sua própria força de vontade em sobreviver. Os resquícios da dominação colonial até os dias de hoje nutrem as estruturas da sociedade. Não é de se surpreender, afinal, mesmo sendo o país com um indice da maior população negra fora do continente africano, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, afinal como canta Larissa Luz, “a carne mais barata do mercado foi a carne negra”, numa releitura da música de Elza Soares “A Carne”. Uma abolição que não garantiu a este povo, sequer, o mínimo de dignidade humana.
De acordo com o antropólogo e professor brasileiro-congolês Kabengele Munanga, os quilombos tem seu surgimento em África entre os séculos XV e XVI. Nasceram neste modos de organização como uma necessidade político/militar dos grupos étnicos bantu que precisavam ocupar territórios desabitados em seus caminhos migratórios. Com o passar do tempo outras etnias, situadas na região entre Angola e Zaire, incorporaram a experiência, transformando-a, e atribuindo a estas comunidade um caráter pluriétnico (Munanga: 1995). E segundo o autor, isso explica a facilidade organizacional africano de quilombo na sua adaptação no Brasil, onde estes incorporaram outros indivíduos e grupos sociais não-africanos nas várias regiões de ocorrência de quilombos.
O primeiro registros que se possui sobre um quilombo formado no Brasil, leva ao ano de 1575, percebe-se que anos após o descobrimento, ou melhor dizendo invasão. É importante lembrar que neste mesmo período o tráfico de pessoas negras, era um negócio muito lucrativo para os colonizadores. O tráfico negreiro trazia forçadamente africanos para serem escravizados e, ao longo de 300 anos dessa prática, quase cinco milhões de africanos desembarcaram em terras brasileiras, deixando para trás toda sua história, arrancados de suas próprias vidas. Nesse contexto de extrema violação dos direitos humanos e crueldade, surgiram muitas revoltas ao longo da história, como fugas e o surgimento de quilombos.
Os quilombos então se tornaram os lugares em que escravizados fugidos podiam viver sua vida em “liberdade”, enquanto lutavam pela sua sobrevivência. Ali se estabeleciam laços comerciais, trocas e articulações que incentivaram outros escravizados a fugirem e a também se aquilombarem. Era um lugar de refúgio. A história conta que esses quilombos eram construídos como vilas, com espécies de muralhas de madeiras, além de armadilhas que lhes garantisse alguma proteção, sobrevivendo de tudo que conseguiam retirar da natureza e na criação de animais, a coletividade os fortalecem, impulsionava e os protegia.
Luta na contemporaneidade – Na contemporaneidade a luta de pessoas quilombolas não se distanciam das lutas que outrora seus ancestrais lideraram. Os quilombos contemporâneos ou povos remanescentes de quilombo, ainda enfrentam lutas acirradas, muitas vezes contra fazendeiros e grileiros, além das muitas formas de violência cotidiana que permeiam a sociedade atual na busca pelos seus direitos e sua sobrevivência com a concessão das titulações de terras onde residem as comunidades e povo de quilombo. Segundo a CONAQ, existem por volta de 6 mil comunidades quilombolas alocadas em todo o território brasileiro, entre essas, mais de 3 mil são certificadas pela Fundação Cultural Palmares e somente depois de alguns anos dessa promulgação em 1988, e depois com o Decreto nº 4.887, de 20/11/2003 que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as primeiras terras foram tituladas no Brasil. Na Bahia hoje existem mais de 500 comunidades quilombolas, dessas 381 já foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares.
Coletividade e organização mantém a cultura e a tradição viva – Devido a história e narrativa de esforço e luta, pode-se observar que a união e o exemplo de luta coletiva na conquista de direitos que também são coletivos, fizeram e fazem essas comunidades avançarem. A lógica de luta não mudou, apenas se transformaram os meios. Ainda nos dias de hoje muito do que se conquistou surgiu a partir dos quilombos (como o do Palmares) e processos de aquilombamentos, de forma potente mantiveram de pé suas histórias, crenças e culturas tatuadas na pele do tempo, passando de geração em geração. “O quilombo, ele é um símbolo de luta pela liberdade e por um modo de ser e de viver que é coletivo… a coletividade é Ubuntu… não existe o eu, existe o nós, a titulação de um quilombo ela não é em nome de uma pessoa ela é em nome de um coletivo, então a própria titulação da terra, ela é coletiva e o modo de ser e de fazer nessa terra também é coletivo”. disse a historiadora Drª Silvane Silva PUC/SP para Instituto Claro. É impossível pensar e pavimentar um futuro sem olhar para trás, de fato o futuro é ancestral, aos quais suas próprias referências os fortalecem na busca e idealização de uma vida sem medo e segura.
Foto: Reprodução/Instagram @festadaostraoficial
Na resistência histórica e persistência de luta no contexto do recôncavo, se acham grandes exemplos de quilombos que escrevem hoje a história do que é ser de quilombola em nossa contemporaneidade, com coletividade e organização as 19 comunidades quilombolas do território da Bacia e Vale do Iguape com um Banco Comunitário possuem sua própria moeda social chamada de “Sururu” fundada em 20 de novembro de 2012. A moeda impulsiona a economia solidária das comunidades e foi criada a partir de demandas de dentro das próprias comunidades que se encontraram afetadas em sua economia sem circulação do real, devido às dívidas dos quilombolas com mercados e pessoas de fora das comunidades, é o que conta o lider quilombola Ananias Viana:
Entre essas comunidades onde circula a moeda “Sururu” o Quilombo Kaonge, também se destaca pelo seu Festival Cultural e Gastronômico da Ostra, que acontece anualmente desde 2009 e este ano realizou sua 16ª edição. A festa atrai muitos turistas, que têm a oportunidade conhecer a cultura do quilombo e os costumes, além de fomentar a sua própria economia. Essas iniciativas reafirmam a identidade quilombola, além de contribuir para a preservação e identidade no contexto do recôncavo. Na ocasião do festival este ano o governador do estado Jerônimo Rodrigues esteve no ato de abertura, onde recebeu a Carta Quilombola do Território do Recôncavo aos Gestores Públicos, que reunia demandas dos quilombos da região. Para a imprensa, Ananias afirmou: “O documento reflete as necessidades e aspirações das comunidades quilombolas, reforçando a urgência de políticas que garantam a proteção do território e das práticas culturais”.
Outro exemplo também, encontra-se no coração do Recôncavo Baiano, a comunidade quilombola de São Francisco do Paraguaçu celebra, há 18 anos, o Samba Beiju com Mel, um evento que une tradição, cultura e resistência. Promovido pela Associação dos Remanescentes de Quilombo do Boqueirão, a festividade se torna muito mais que um encontro cultural; é uma afirmação identitária e uma ferramenta de fortalecimento da comunidade local. Realizado anualmente em torno do Dia da Consciência Negra e em celebração também ao aniversário do Líder quilombola Crispim dos Santos (Rabicó) em 20 de novembro, o evento reúne apresentações de samba de roda, capoeira e maculelê, destacando as raízes culturais do quilombo. A celebração também inclui a degustação do beiju e do mel, produzidos por agricultores e apicultores do quilombo, simbolizando a autonomia produtiva e a sabedoria ancestral.
Foto: Acervo Pessoal Juliana Reis / Mulheres do Boqueirão preparando o Beju para a festa
“Essa é uma tradição que não pode acabar pois é muito importante para nós, temos sempre que levantar essa tradição, traz benéficos para a comunidade, uma festa muito prestativa, animada com o samba ainda Raiz do Boqueirão é da comunidade, é da terra”, disse Maria Lúcia Souza, moradora do quilombo Boqueirão.
Video: Acervo Pessoal / Samba Beiju com Mel
Além de resgatar e valorizar práticas culturais, o Samba Beiju com Mel fortalece laços comunitários e impulsiona a economia local. Turistas, estudantes e professores que participam do evento vivenciam a riqueza do patrimônio imaterial dos quilombolas, enquanto a comunidade reafirma sua luta pela terra e por direitos sociais, sempre permeada pela coletividade. Mais que uma festa, o Samba Beiju com Mel é um manifesto vivo contra as tentativas de apagamento histórico e cultural. “A festa do beju começou em 2005 e o samba de roda já existia, mas era nas casas… em festa de Cosme e Damião, de Santo Antonio, festa de mês de Maria nas festas das roças…tinha muitos devotos, iam rezar as suas casas ou seus santos, as suas tradições e a gente se encontrava pra fazer essas festas e cultivar essas tradições e no final terminava como uma festa cultural com o samba de roda, ai a gente amanhecia o dia”, afirma Crispim dos Santos. Em um Brasil que ainda enfrenta os desafios de reconhecimento e titulação das terras quilombolas, eventos como este ecoam a resistência de um povo que faz da cultura seu principal instrumento de luta e de transformação.
A exemplo de resistência e serviço pensando em coletividade e renda, nasce pelas vivências de Tamile Conceição quilombola do Quilombo Santo Antonio Vidal em São Félix nasce o projeto “Trançando Histórias”. Mãe, trancista e estudante de jornalismo viu na mais forte expressão e digital de negritude as tranças, um modo de empoderar outras mulheres dando a elas a possibilidade de vislumbrar um novo caminhos em suas vidas. A Tamile então fundou o projeto, onde ensina a outras mulheres, em sua maioria mães atípicas, suas técnicas desenvolvidas, penteados de tranças, além de fornecer uma mentoria a essas mulheres para empreender e se empoderar.
Foto: Acervo Pessoal Tamile / Projeto Trançando Histórias
O projeto inclui mulheres de dentro e fora dos quilombos, sede e zona rural nas cidades de Cruz das Almas, Muritiba, São Félix e Cachoeira. Daiane é uma das mulheres beneficiadas pelo projeto, “Foi uma felicidade muito grande, aprender e ter absorvido os ensinamentos dela… hoje eu consigo comprar as roupinhas da minha filha, brinquedos e fazer coisas que eu estava precisando, tudo através desse curso de trança… hoje eu tenho uma profissão já posso dizer, eu sou trancista”, disse a aluna. “O Trançando Histórias não é só ensinar a trançar cabelo, é ensinar a essas mulheres a empreender, mostrar a essas mulheres outros caminhos… Eu aprendi muito com essas mulheres também, no final todas ganharam certificados e ganharam porque aprenderam a trançar, a empreender, trançar além de abrir outros horizontes… devido a situação econômica dessas mulheres em nossos municípios, ao oferecer esse curso de graça, a gente permite que elas olhem e vejam que agora podem levar renda para suas famílias” afirmou Tamile.
Pode-se enxergar nestas vivências quilombolas um modelo claro de organização e pensamento de coletividade, desde possuir um banco comunitário, a celebrar uma tradição ou até mesmo tocar um projeto para empoderar mulheres. São modos e tecnologias que se assemelham muito aos primeiros quilombos que possuíam sua própria economia criando laços comerciais, trocas e articulações que incentivaram outros escravizados a fugirem e a também se aquilombar. O quilombo então virava um lugar de refúgio. A história conta que esses quilombos eram construídos como vilas, com espécies de muralhas de madeiras, além de armadilhas que lhes garantisse alguma proteção, sobrevivendo de tudo que conseguiam retirar da natureza e na criação de animais.
Para além das conquistas as lutas – Mas nem tudo são flores para estas comunidades ainda, se por muitos séculos as lutas do povo quilombola se deu a ferro e fogo, com suor e força, essas mesmas lutas na contemporaneidade ganham também outras formas de se manifestarem no caminho de conquistas e estabelecimento de direitos historicamente negados. Pode-se observar, que quilombos contemporâneos cultivam e mantêm a essência da resistência histórica, claro que agora voltada para a garantia de direitos constitucionais e o reconhecimento oficial de suas terras. Com a Constituição de 1988, os quilombos passaram a ter seus direitos garantidos, incluindo o acesso à terra, entretanto, o processo de titulação de terras ainda enfrenta muitos obstáculos, burocracias e ameaças, em alguma medida também, não muito diferente dos companheiros povos tradicionais, que nos primeiros quilombos também compartilhavam da luta.
Não precisa ir muito longe, no território do Recôncavo é possível ver manifestações de luta quilombola por suas terras. Por exemplo o quilombo Boqueirão entre outras da região, foram reconhecidos em 2005 pela Fundação Cultural Palmares e um triste episódio marcou as comunidades e permeia o consciente deles até os dias de hoje. Em 14 de maio de 2007, anos após as demarcações, os quilombos do território foram acusados de cometerem crimes ambientalistas e de fraudarem o processo de certificação de autorreconhecimento.
Foto: Acervo Pessoal / Vinícius Neves
Contudo, mesmo em meio às falsas acusações à comunidade remanescente do quilombo Boqueirão, se levantou e protestou em resposta a emissora de TV que havia veiculado uma matéria em seu principal jornal sobre eles, veja o video na íntegra.
Segundo o líder quilombola Rabicó, “eles vinheram tentando acabar com o São Francisco”, foram acusados de se serem “falsos quilombolas”, o sentimento de indignação da comunidade se deu devido a terem colocando em questão a veracidade de sua identidade em rede nacional e em horário nobre. “Eles disseram, que nós éramos falsos quilombolas, para a gente conseguir desconstruir essa matéria deles foi um trabalho danado”, disse o quilombola. Entretanto, essas acusações foram esclarecidas por meio do resultado da sindicância da Fundação Cultural Palmares, na qual ficou comprovada a legalidade do procedimento.
Situações como essas na vida das comunidades quilombolas persistem e se transformam. No âmbito das disputas de território e dos conflitos sociais que emergem situações que enfrentamos como sociedade hoje, a falta de segurança publica também se torna uma pauta urgente e é o que destaca a lider quilombola Iracema Sacramento Santos, pedagoga e do Quilombo Iuna de Lençóis, Bahia que ainda está em processo de titulação. Irá como é chamada, teve sua residência incendiada em 16 de Janeiro de 2024, motivo pelo qual ela precisou sair da sua comunidade. “No ano que eu consegui meu diploma em pedagogia, a situação mudou né? veio a violência”, disse a pedagoga. Por consequência da violência que alcançou o quilombo para além das questões ligadas a terra, a líder destaca o medo um fator predominante que a impossibilita de retornar a morar no quilombo, ajudando como consegue a distância, “primeiro aconteceu um assassinato, depois outro e logo após o segundo assassinato veio uma chacina, quer dizer seis quilombolas. Aí eu como uma pessoa mais informada do lugar, a professora, liderança, vi evadir as famílias quilombolas, eles evadiram e a escola ficou com poucos alunos”. Ela comenta também a importância do quilombo em sua vida, “O quilombo é tudo pra mim, representa tudo pra mim e eu não poder estar lá de corpo e alma… não poder viver o meu lugar… O quilombo vem ser tudo eu nasci ali e me criei”. Enquanto mulher quilombola e liderança, Irá afirma que para além das questões da terra, a segurança de todos e todas devem ser garantido em todos os âmbitos, “o que é necessário para que o quilombo tenha seus direito garantido e reconhecido hoje, falando no geral, todos os quilombos a gente precisa de mais segurança né? A gente vê que a segurança está faltando a nível federal mesmo a nível de mundo não só a nível do meu quilombo mas de todos os quilombos, precisamos de segurança pública” e acrescentou, “Na verdade o que seria necessário pra que os quilombos tivesse seus direito garantido e reconhecido é que a gente tivesse vinte e quatro hora no serviço de proteção mas infelizmente e isso não acontece”.
Direito à vida digna – Apenas no início da década de 2000, com o Decreto 4.887/2003, uma norma jurídica do governo federal brasileiro, publicada em 20 de novembro de 2003, foi regulamentado o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas.
Dessa forma, esse decreto foi um marco importante para a proteção dos direitos territoriais quilombolas, pois estabeleceu que as terras tradicionalmente ocupadas por essas comunidades devem ser reconhecidas como parte de seu patrimônio cultural, com a garantia de titulação coletiva, inalienável e imune à venda.
Entre os pontos principais, o decreto determina que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) é o órgão responsável por realizar a titulação das terras quilombolas. Além disso, a norma define que os estudos antropológicos e históricos devem ser realizados para comprovar a ancestralidade e a ocupação tradicional dessas áreas. A comunidade quilombola também deve ter autonomia sobre seu território e a gestão de seus recursos naturais.
Essa regulamentação foi um passo importante no cumprimento da Constituição de 1988, que, no Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) assegura o direito à terra para comunidades quilombolas. O decreto 4.887/2003 reforça esse direito e cria um processo formal para garantir a segurança territorial dessas comunidades.
Em 2019, o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (PL), havia transferido a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para o Ministério da Agricultura. Essa mudança em alguma medida acarretaria na dificuldade da demarcação e titularização de terras de quem tem direito a ela, favorecendo o agronegócio que não tem interesse em demarcar terras ou sequer pautam a justiça social. Entretanto, o governo Lula, eleito pela terceira vez em 2022, trouxe de volta os ministérios extintos no antigo governo, de forma que as demandas sejam tratadas em suas especificidades.
Entre altos e baixos, a luta tem seus avanços, em setembro deste ano três territórios quilombolas da Bahia tiveram decretos de interesse social publicados pela Presidência da República. As comunidades quilombolas Morro Redondo e Capão das Gamelas, ambas no município de Seabra, na Chapada Diamantina, além de Curral da Pedra, situada em Abaré, na região do Nordeste baiano, são os quilombos abrangidos neste decreto. Essa medida beneficiou 229 famílias quilombolas, incluindo sete imóveis rurais e outras terras públicas, em uma área total de 10,9 mil hectares, fazendo parte dos 11 decretos de interesse social assinados pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia realizada no município de Alcântara (MA). No ato, também foram entregues 21 Títulos de Domínio para territórios quilombolas de outros estados. Recentemente, o presidente também assinou cerca de 15 Decretos Declaração de Interesse Social para Quilombos para vários estados do país, só na Bahia cerca de 665 famílias serão beneficiadas, sendo elas Pitanga de Palmares, em Simões Filho e Candeias (BA) – 536 famílias; Vicentes, em Xique-Xique (BA) – 29 famílias; Iúna, em Lençóis (BA) – 39 famílias; Jetimana e Boa Vista, em Camamu (BA) – 61 famílias. Este ato foi a maior entrega de territórios quilombolas desde 2008. Em carta aberta ao governo brasileiro a CONAQ publicou em seu site: “…são mais de 500 anos lutando por liberdade, vida digna e pelo direito de chamar de nosso, o território que nos pertence ancestral e historicamente. Recebemos essas entregas e as políticas que têm sido retomadas pelo governo Lula com esperança porque elas correspondem à história de luta do nosso povo.” Leia aqui na íntegra.
Por fim, como podemos ver alguns exemplos, os quilombos de hoje continuam sendo espaços de resistência, liderados por pessoas que mantêm vivas as lutas históricas e ampliam seu alcance em novos campos, como a educação, o meio ambiente, os direitos humanos e a diversidade. Ser quilombola significa estar sempre em combate, se organizando para resistir às opressões e conquistar seu espaço de direito. O fato é que diante da própria existência no legado de luta também está o sangue, mesmo que em alguma medida a história dos primeiros quilombos no Brasil, foi escrita abaixo de sangue, força e suor. Em todas suas lutas, existiam pessoas notáveis, fortes e determinadas a transformar não apenas sua vida, bem como a vida dos demais que compunham a luta e partilhavam das mesmas questões e vivências do dia a dia. Não muito diferentes da organização de vida nos primeiros quilombos brasileiros, hoje os quilombos contemporâneos vivem quilombolas como a Iracema, Ananias, Tamile, Crispim e tantos outros que com o mesmo sentimento de partilha e união, ensinam e cultivam o espírito do que é ser quilombola com um verdadeiro legado ancestral de transformação social em função do bem comum e da coletividade.