Efervescência do samba de roda atrai diversidade de públicos na capital e no recôncavo da Bahia

O ritmo, herança dos povos africanos, tem seu Dia Nacional comemorado por tradição na data de 2 de dezembro

Luana Santiago Santos

  • Samba de Roda da Suerdick - Dona Dalva

Sambas do Recôncavo animam datas festivas no Recôncavo. Fotos: Caique Fialho.

O samba de roda está em um momento de efervescência cultural e atraindo diversidade de públicos na capital e na região do recôncavo da Bahia. O ritmo afro-brasileiro traz consigo formas de manifestações dos povos escravizados no Brasil e nasceu em meados de 1860, de acordo com dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Há 4 anos, o samba de roda do Recôncavo foi reconhecido como Patrimônio Imaterial pelo Governo do Estado e, no dia 2 de dezembro, por tradição, é comemorado o Dia Nacional do Samba, principalmente em cidades como Salvador e Rio de Janeiro.

O Comitê da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) já tinha reconhecido a data de 25 de novembro como o Dia nacional do samba de roda, em 2005, com o título de Obra-Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, por ser considerado essencial para identidade do povo e da comunidade.

O samba que nasceu no recôncavo da Bahia foi se tornando um símbolo de resistência e afrocultura. A herança dos povos africanos e dos povos escravizados se dá aos cultos dos orixás e caboclos em datas festivas como Cosme e Damião, Festa da Boa Morte em Cachoeira-BA, mas pode ser tocado para demais festejos e brincadeiras de socialização nas ruas. 

Segundo Isaura Santiago Santos, de 79 anos, na roda de samba tem a presença de alimentos preparados com azeite de dendê conhecidos como, comidas quentes. “Na minha época, lá pra 1950 era oferecido comida quente, sabe? O pessoal fazia com azeite de dendê o feijão, caruru e frango”, explicou. 

A proporção do samba se multiplicou tanto que gerou até problemas. Recentemente um samba de roda de grande importância, o de são Lázaro, em Salvador, tinha chegado ao fim no último dia 23 de novembro, como noticiou o jornal IBahia. Reclamações de poluição sonora, urinas na porta de domicílios e a festa se estendia a madrugada toda fizeram que moradores denunciassem ao poder público. Retornou no dia 6 de dezembro como evento-teste iniciando às 18h, pois o horário autorizado pelo alvará concedido é até às 22h, de acordo com a legislação vigente conforme divulgado pelo G1

“É um lugar onde as pessoas pretas vão extravasar, as amarguras e infelicidades, ali é um lugar onde a maioria é o povo preto se junta pra ter um momento através da cultura dos ancestrais. Em cada gesto, cada olhar, em cada dança voce sente a energia contagiante da galera e quando eu soube que iria acabar eu pensei muito que a comunidade preta perderia muito esse lugar de acolhimento que é o Samba de São Lázaro”, conta Mateus Lucca Cruz, de 26 anos, de Salvador, que frequenta o evento. 

Mestres

O professor titular da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Ari Lima, doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília, explicou que o estilo de dança chamado “Chula” do gênero musical do Recôncavo da Bahia, vindo de Santo Amaro da Purificação, é historicamente afrobrasileiro com a viola machete que compõe 10 cordas e que se difere da viola portuguesa.

 Professor da Uneb Ari Lima é pesquisador sobre o ritmo. Foto: Divulgação Ari Lima | editora cajuína

Ari Lima traz como referência o grupo Filhos da Pitangueira em São Francisco do Conde que ainda utiliza esse estilo de viola e alguns nomes de mestres e tocadores da mesma região como Djalma, São Zeca de Afonso e Mário Pinto.

O professor ainda complementa sobre a cadeia de transmissão cultural que faz ser passado de anos em anos mesmo com modificações feitas de acordo com as gerações vividas. Ele explicou que os sambas contavam a chegada dos trens, a cana, o café, as histórias do povo vivida na época e hoje mesmo com o mesmo estilo tem referências passadas ancestrais, porém acompanhando a geração atual em 2024.

Lima ainda diz sobre o perigo de esquecimento das culturas tradicionais de acordo ao  modo de estilos que se perdem com o tempo e as modificações feitas, mas compreende que mudar é inevitável e que resgatar a ancestralidade com nossas histórias também é uma forma de valorização da cultura e reconhecimento histórico. 

Dona Dalva

Em Cachoeira, um dos sambas mais tradicionais surgiu em uma fábrica de charutos quando Dalva Damiana de Freitas, conhecida como Dona Dalva, se uniu com outras mulheres para formar o grupo de samba de roda em 1958. E foi tombado em 2004 pelo IPHAN, por ser considerado patrimônio oral e imaterial da humanidade. 

As músicas são uma mistura de rezas católicas, toques de terreiro de candomblé e o que destaca é a instrumentalização de mulheres negras e vendedoras de iguarias. “As especificidades patrimoniais dos grupos que também se uniram no Recôncavo, entre tranco e barrancos como o samba de Dona Dalva permanece com toda sua importância e significado ele existe”, avaliou o professor Ari Lima.

Algumas referências como samba da Ribeira e o samba da feira São Joaquim, em Salvador, Samba da Feira de Feira de Santana, Samba do machucador em Cruz das Almas, entre vários grupos, estilos e referências ancestrais que têm sido contada e transformada em suor, sacudir das saias rodadas, bater de pés, tremer os ombros com a cabeça erguida com outra pessoa cuja a energia através do olhar se convidou a dançar como uma “barra vento”.

Saiba mais:

Dica de leitura de artigo do professor Ari Lima