Entenda como e por que a doença afeta o cotidiano dos brasileiros
Maria Antonia Clementino
*Publicação de dezembro de 2022
A endometriose é um problema de saúde pública e afeta cerca de 7 milhões de brasileiras em idade reprodutiva. A doença crônica ginecológica modifica o funcionamento normal do organismo, caracterizando-se pela inflamação provocada pelas células do endométrio que deveriam ser expelidas, mas caem no ovário ou na cavidade abdominal, multiplicando-se gerando sangramentos. Ela tem como forma mais grave a endometriose profunda, onde parte do sangue vai para as tubas uterinas durante o período menstrual e caminham para outros órgãos.

Endometriose pode ser incapacitante para as portadoras. Foto: Reprodução/Internet. Copyright (c) 2021 Fonte: Prostock-studio/Shutterstock.
Os principais sintomas da doença são os sangramentos, cólica menstrual e intestinal incapacitante, sensação de torção intestinal, constipação, náusea, mal-estar, fadiga, inchaço abdominal. Dores de cabeça crônica, nos ombros, durante a relação sexual, na lombar, para evacuar, peso nas pernas, diarreia, evacuação incompleta, insônia, desmaio e infertilidade ou dificuldade para engravidar, além de outros. Os sintomas diferem para cada portadora e podem aparecer desde a menarca (primeira menstruação) como também a doença pode ser assintomática. As principais causas são incertas, sendo elas multifatoriais, podendo estar relacionada a menstruação retrógrada, sistema imunológico ou fatores genéticos.
Para a estudante Isabel, a demora para entender o que ela tinha e efetuar o diagnóstico a fez passar por diversos especialistas. “Comecei a ter os primeiros sintomas desde a primeira menstruação aos 14 anos, sentia fortes dores nas pernas e joelhos. Por não saber do que se tratava e não ter informação sobre endometriose, fui ao médico ortopedista, pensando estar relacionado aos ossos”.
Por se tratar de uma afecção acometida por uma grande variedade de causas e sintomas, o diagnóstico se torna tardio, podendo levar até 9 anos para confirmação, sendo raramente descoberto em consultas ginecológicas de rotina. Em casos de suspeita é necessário passar por exame físico, ultra sonografia transvaginal especializada, exame ginecológico e outros exames de laboratório, em alguns casos é necessário realizar ressonância magnética e colonoscopia. A dificuldade pela confirmação advém de diversos fatores, dentre eles estão a falta de acesso a um sistema de saúde efetivo e de qualidade, ou o tempo de espera para realização dos exames, como também a falta de atendimento minimamente humanizado.
“O nível educacional entre mulheres com endometriose tende a ser mais elevado, assim como o nível socioeconômico. Concordante com a primeira informação, tem-se no grupo de interesse 51,9% de mulheres com nível universitário. Isto pode se dever ao viés de maior acesso a cuidados médicos e por maior preocupação com a saúde individual em se tratando de dor pélvica ou infertilidade”, afirmação feita por médicos especialistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), no artigo ‘Aspectos epidemiológicos e clínicos da endometriose pélvica – uma série de casos’.
Pouco falado pela sociedade
O assunto ainda é pouco falado pela sociedade, ou tratado como algo sério e relevante, ao contrário é visto como algo que está relacionado ao emocional ou uma simples cólica menstrual, que irá passar rapidamente. Portadoras da endometriose afirmam já terem ouvido comentários como “Sua dor é psicológica” ou “Você tem endometriose por estar adiando a maternidade”. Essa incompreensão sobre o tema de modo geral pode afetar diretamente a qualidade de vida da mulher.
“Me senti sozinha em diversos momentos da minha vida, pois muitas pessoas acreditam que os sintomas da endometriose é apenas uma cólica comum. Já disseram que eu estava exagerando sobre minhas dores”, afirmou a estudante Isabel Fernandes.
A doença crônica pode afetar relações — Foto: Reprodução/Internet/ Fonte: Imagem Getty Images/iStockphoto
Uma das principais questões relacionadas à procura por um médico especialista ocorre por conta da dispareunia, que tem como uma de suas características a dor durante ou após a relação sexual. No dia sete de julho deste ano, a cantora Anitta veio a público e revelou que tem endometriose, e que sofria após a relação sexual, a cantora relatou sobre seu caso em uma sequência de tweets.
“Vamos, galera, mulheressss. Estou aqui no auge dos acontecimentos mais inacreditáveis da minha vida um atrás do outro tipo um rajadão de bênçãos… mas num ta dando pra sorrir por motivos de: precisamos falar sobre endometriose”
“Pois eu tenho uma dúvida genuína.. alguém aqui, além de mim, sofre de cistite de repetição e já tentou tudo quanto foi remédio, técnica, laser, botox e etc pra não morrer de dor 24h depois do ato sexual?”
“Então vou compartilhar uma coisa com vocês que na época fiquei sem reação mas agora eu tenho um laudo pra rebater. Uma vez eu falei num podcast ou alguma outra entrevista, que não lembro agora, que eu sofria de uma cistite de lua de mel terrível.”
“E que toda vez que eu tinha relação com o piu piu mais avantajado eu não tinha condições nem de andar no dia seguinte ou 48h depois de tanta dor. Pois logo em seguida vários portais e sites de médicos fizeram matérias ensinando “como evitar a infecção urinária de Anitta”.”, desabafa a artista.
Anitta sofreu com a endometriose durante nove anos — Foto: Reprodução/Internet.
Por se tratar de um assunto com pouca visibilidade, muitas vezes se acredita que a doença inflamatória está relacionada à infertilidade, gerando questionamentos sobre o uso de preservativos ser necessário no ato sexual, ainda em seu relato, Anitta faz um alerta.
Sequência de tweets da cantora Anitta sobre endometriose (07 de Julho de 2022). Foto: Reprodução/Twitter.

Sequência de tweets da cantora Anitta sobre endometriose (07 de Julho de 2022) — Foto: Reprodução/Twitter.
O uso de preservativo durante o ato sexual é de extrema importância para a proteção, prevenção e controle das infecções sexualmente transmissíveis (IST). A camisinha, masculina ou feminina, segue como método mais eficaz para evitar infecções que podem ser transmitidas durante o ato sexual, como a sífilis e o HIV. Assim, pessoas portadoras da endometriose ou qualquer outro indivíduo deve usar preservativos. O SUS oferece gratuitamente preservativos femininos e masculinos, sendo eles distribuídos em todos os postos de saúde do Brasil.
Preservativos são distribuídos gratuitamente pelo SUS. Foto: Reprodução/Internet.
A dispareunia afeta a relação sexual do indivíduo, gerando conflitos e a sexualidade está inteiramente ligada ao bem-estar, autocuidado pessoal, satisfação e qualidade de vida do indivíduo.
Segundo informações da Atualiza Saúde em sua revista eletrônica, volume 10 de 2022, (https://atualizarevista.com.br/wp-content/uploads/2022/10/revista-atualiza-saude-v-10-n-10-1.pdf):
“Durante a relação sexual, a tensão nesses ligamentos e tecidos nervosos, fibrose local, hemorragias recorrentes, liberação de prostaglandinas e agentes inflamatórios podem desencadear dor intensa no coito sobretudo antes da menstruação, gerando orgasmos menos satisfatórios, o que causa menor relaxamento e maior insatisfação. (FRITZER et al., 2014; FERREIRA et al., 2016; FERREIRO et al., 2005).”
Essa insatisfação causa danos na saúde mental das portadoras. Com isso é necessário a busca por tratamentos para uma melhor qualidade de vida. Existem diversos tipos de métodos, sendo eles por meio de medicação como hormônios e analgésicos para controlar a dor, receitados por médicos. Fisioterapia pélvica e musculação que ajuda no combate de dores através de exercícios físicos. A terapia que melhora o bem-estar desses pacientes. Além de tratamentos holísticos como a aromaterapia, meditação e ioga. Em casos de endometriose profunda a cirurgia é recorrente.
O tratamento para mulheres com dor pélvica pode ser clínico ou cirúrgico. No caso de Anitta foi cirúrgico, ela passou por uma laparoscopia, esse procedimento consiste na retirada ou na queima do tecido endometrial. A cirurgia durou cerca de 4 horas.
Anitta internada para cirurgia de endometriose em hospital de São Paulo, no dia 20 de Julho de 2022 — Foto: Reprodução/Instagram
“Procurem mais de um médico, mais de uma opinião. Se um não resolver… vai pra outro até resolver. Não é normal a gente viver com essa dor assim pra sempre. Tô eu aqui no avião e nem consigo dormir pq fui comemorar com o boy as vitórias que a vida tá me dando esses dias e agora é só o choro. Endometriose. Pesquisem artigos sérios no Google (ainda é um assunto :meio” novo então não tem tannnnnnta informação) mas um médico especialista nisso vai conseguir te ajudar. Enquanto isso tô aqui contando os dias pra minha cirurgia. Dizem que é bem simples’’, completou a cantora no dia 7 de Julho em seu twitter.
Sentir cólica e dores durante um longo período da vida não é normal, podendo gerar danos irreparáveis para a saúde, em caso de suspeitas procure um médico, pois a sua dor tem solução.
Foto: Reprodução/Internet. Criador: Menshalena | Crédito: Menshalena
*Foram usados nomes fictícios nesta matéria para preservar a privacidade das fontes.