Festa teve início no ano de 1870 em devoção à Nossa Senhora e chegou ao Brasil com o primeiro Governador Geral da Bahia, Tomé de Souza, em 1549
Joana Flores
“Já é Carnaval Cidade, acorda pra ver!.” Diria Gerônimo, se estivesse em Cachoeira, no último dia 17 de novembro, ao ver as ruas da cidade mais festiva do Recôncavo Baiano, a 110km da capital, tomada de foliões fantasiados, antes do sol nascer, arrastados pelo som das filarmônicas e de grupos musicais, locais.
Ao chegar na rua Maestro Irineu Sacramento, próximo ao Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da UFRB, às 10 horas da manhã, era possível ver o vai e vem de pessoas fantasiadas e o som das marchinhas em um ritmo mais acelerado, um sinal de que o “embalo” estava por perto.
Com um som contagiante, de não deixar ninguém parado, centenas de músicos das filarmônicas da Cidade, naquele momento se misturam para formar democraticamente um único som acompanhado das centenas de vozes que entoavam os refrões de canções antigas que relembravam os carnavais, que aos poucos vão ficando para trás.
Vou na Timbalada, Oyá
Canto pro mar, mar, mar, mar, mar, mar
Vou na Timbalada, oyá
Canto pro ar, ar, ar, ar, ar, ar
O pesquisador Janio Roque Barros de Castro, no seu artigo A reinvenção do Carnaval na extensão profana da Festa de Nossa Senhora da Ajuda na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, é quem vai discutir a similaridade entre a atual Festa D’ Ajuda e o carnaval tradicional de Cachoeira.
A folia carnavalesca era sempre no primeiro trimestre do ano, com a participação de mascarados, confetes, serpentinas, cordões, exibicionismos de rua, bailes fechados em um clube chamado Associação Desportiva Paraguaçu, entre outras modalidades de diversão perdurou até os anos de 1960, quando deu lugar à micareta, que sempre foi realizada no mês de novembro.
Para Janio, que realizou a sua pesquisa a partir dos arquivos de jornais, revistas e entrevistas com pessoas envolvidas com as principais festas populares locais, as práticas brincantes e a musicalidade, muito marcantes na atual Festa da Ajuda, evidenciam as características da folia de rua.
O autor destaca que a cidade de Cachoeira, localizada a aproximadamente 117 km da capital pela BR 324, além da sua arquitetura colonial, sempre foi cenário das festas religiosas do catolicismo oficial e popular, as manifestações de matriz afro-brasileiras, como os cultos candomblecistas e aquelas que transitam entre as duas matrizes culturais.
Do “Fede” ao Alvorada
O antropólogo e historiador cachoeirano Cacau Nascimento fala sobre a origem da Festa da Ajuda ao remontar a sua origem nos idos do século XIX. Nascimento revela que das duas devoções, Nossa Senhora da Ajuda e Santa Cecília surgem as Filarmônicas Sociedade Lítero Musical Filarmônica Minerva Cachoeirana e a Sociedade Orpheica Lyra Ceciliana.
Cacau Nascimento conta que no passado a saída das duas filarmônicas que disputavam entre si os acordes musicais terminava em agressões físicas entre os membros da Rua de Baixo e os da Rua de Cima, localidades onde ambas instituições musicais se concentravam.
Antropólogo Cacau Nascimento, — Foto: Chico Brito
As rixas parecem ser coisas do passado já que os músicos das duas Filarmônicas se misturam para animar a Festa D1 Ajuda. Cacau menciona que a festa sempre foi realizada com a saída de Ternos e folguedos nos nove dias, como afirma Cacau Nascimento, “ainda ocorre com o Terno de Dona Dalva e das Baianas”.
Sem dúvidas que o dia mais aguardado dos festejos é o dia do Terno da Alvorada. No passado, o antropólogo destacou que esse dia era chamado de “Dia do Fede”, onde todas as pessoas da cidade se misturavam, independente de raça e da condição econômica, o que revela o caráter democrático da Festa.
Mas os foliões do Terno do Alvorada não são apenas os moradores locais. A fama do baile à fantasia à céu aberto chegou até a capital baiana e foi de lá que saiu um grupo de amigos somente para participar desse Terno. As opiniões se divergiram entre eles quando perguntado sobre se havia alguma relação entre aquele cenário de cores e alegria e o carnaval de Salvador.
E ao contrário do pesquisador Janio, o corretor de seguros Robson Santana, 56, vai dizer que o Carnaval de Salvador virou uma indústria. “O povo atualmente tem pouco espaço para criações e intervenções no processo estabelecido pelos empresários e mídias, sendo assim não vejo relação com o Carnaval de Salvador hoje, mas sim uma relação com os antigos carnavais com a cultura popular dominando e garantindo a festa”, ressaltou.
Já a professora Márcia Cristina de Barbuda Lopes, 55 anos, uma das três pessoas do grupo, contou que percebeu que cada folião se comportava diferente, independente. “A ideia da festa é maravilhosa, pois valoriza a cultura, a criatividade do povo, une as pessoas, ajuda na interação, etc. Festa sem violência, diferente da festa em Salvador”, disse.
Animação e fantasia marcam o Terno da Alvorada
Para quem chegou às 4 horas da manhã, vale uma parada para se reabastecer nas encruzilhadas que atravessam as ladeiras tomadas por pessoas de todas as idades. O que vale é a alegria e o contraste das cores que aparecem no ineditismo das fantasias confeccionadas especialmente para esse dia.
Já as irmãs gêmeas Cosmilda Santos Miranda e Cremilda Santos Miranda, mais conhecidas como Kokoi e Kekel, 51, este ano estavam fantasiadas de “bonecas futuristas”. O tema, elas contam, surgiu da ideia despertar as crianças para as bonecas. Idealizada pelo cabelereiro Evangivaldo Amorim, idealizador do projeto. A roupa durou mais de 90 dias para ser concluída e foram utilizadas 1,7 mil bonecas para compor as fantasias.

Cosmilda Miranda e Cremilda Miranda, as gêmeas com a sua fantasia de “bonecas futuristas”. Foto: Chico Brito
Uma das manifestações culturais de Cachoeira, município que faz parte do Território do Recôncavo Baiano, a “Festa D’Ajuda”, ou popularmente conhecida como “Embalos D’ Ajuda” já parece tomar conta dos dias e horas que aproximam a chegada da mais democrática e animada festa da cidade.
O vai e vem de pessoas que compram adereços para confeccionarem as suas fantasias dão um ar de aproximação da festa de alegria em Cachoeira. Ouve-se o sussurro sobre as vestes mas, sempre com certo segredo em relação ao tema e não menos agitados estão os que vêm conhecer a festança pela primeira vez.
É nesse clima de energia que dura aproximadamente 20 dias, que homens, mulheres, crianças, jovens e idosos vão revezar as demandas do cotidiano com uma saidinha despretensiosa na porta do trabalho ou de casa, no final da tarde, para acompanhar ao ritmo das marchinhas e das fanfarras, que tomam conta de ruas e vielas, descendo e subindo ladeiras, em uma profusão de alegria e de encantamento que contaminam os mais desatentos e o tanto de empolgados devotados “embalados”, desde o século XIX.
A Festa de Nossa Senhora D’Ajuda é mantida pela Irmandade de Nossa Senhora D’Ajuda, e foi reconhecida em 2017 como Patrimônio Imaterial da Bahia, sob o decreto de n° 17.590, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC).
Romélia Lima com a sua fantasia. Foto: Chico Brito
A professora Romélia Lima sai fantasiada desde pequena e diz que não planeja a sua fantasia. As ideias surgem com a proximidade do Embalo da Alvorada. Mesclado a eventos religiosos e profanos é um dos mais aguardados dos Embalos. A manifestação cultural está registrada no Livro de Registro Especial dos Eventos e Celebrações do Estado.
A festa teve início no ano de 1870 e trata-se de uma devoção à Nossa Senhora, Mãe de Jesus Cristo e foi trazida ao Brasil com a chegada do primeiro Governador Geral da Bahia, Tomé de Souza, em 1549.
Confira reportagens sobre a Festa D’Ajuda já publicadas em edições do Reverso On Line:
Origem da festa D’Ajuda possui marcas históricas do século XIX – Reverso Online