Mercado editorial baiano enfrenta crise

A análise feita pelo Instituto Pró Livro (IPL) trouxe dados que revelam limites no alcance da literatura no estado

Marina Bittencourt

O brasileiro lê aproximadamente dois livros inteiros por ano, seja ele didático, técnico ou por interesse próprio. Foto: https://www.pexels.com/pt-br.

Casa de autores como Jorge Amado, Castro Alves e Myriam Fraga, a Bahia traz uma riqueza cultural abrangente, em especial na literatura. Isso não impediu, porém, o estado de entrar na lista dos territórios com menor número de leitores no país, segundo pesquisa feita pelo Instituto Pró Livro (IPL)

Publicada no último dia 19 de novembro de 2024, a pesquisa apontou que somente 42% da população baiana leu algum livro nos três meses antes da pesquisa, seja de forma integral ou parcial. Segundo os dados, o brasileiro lê aproximadamente dois livros inteiros por ano, seja ele didático, técnico ou por interesse próprio. 

Comparando com os resultados do Censo de 2022, que apontou a Bahia como o estado com o maior número de analfabetos no país, cerca de 1,4 milhão de pessoas, esses dados não surpreendem. Esses números ainda persistem mesmo com o incentivo do governo, que este ano investiu através do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), pelo Ministério da Educação (MEC), R$ 2,1 bilhões de reais, um aumento de 79% em comparação com o ano passado. 

Dados da IPL confirmam esse quadro. Quando analisados os motivos pela falta de leitura, 36% dos entrevistados demonstraram ter algum tipo de dificuldade para ler, seja por questões de analfabetismo ou falta de capacidade de interpretação. Além disso, 85% disseram que não tiveram nenhum incentivo para criar o hábito de leitura. 

Não é de hoje que a literatura é considerada um dos pilares da educação, não só nos durante o período de desenvolvimento infantil, como também é um hábito saudável nos anos adultos. Segundo estudos feitos pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o hábito da leitura ajuda a desenvolver a concentração, o vocabulário, a memória e o raciocínio, além de minimizar possíveis problemas de desenvolvimento social. 

Plataformas digitais

O mercado editorial da Bahia, é claro, sofre em meio a tais circunstâncias. Com o fechamento de grandes livrarias como a Livraria Cultura e Saraiva no estado, além de sebos locais, especialistas demonstram preocupação, mas também falam da previsibilidade da situação. 

Em entrevista publicada em julho de 2021 para o jornal A Tarde, o editor da Caramurê, Fernando Oberlaender, disse: 

“Isso já era muito esperado, porque esse modelo de grandes livrarias acabou, pode ter alguma ou outra tentando, mas não vai durar muito. Elas vão quebrar, não tenha dúvida. Para vender o que elas vendem, que é best-seller, o marketplace é muito mais eficiente, então quebrar é a tendência”. 

Dados publicados pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), mostram que a venda de livros físicos ainda supera a de e-books no Brasil, o que fortalece a análise de que leitores estão mais interessados em comprar livros através de plataformas digitais que em livrarias físicas. 

“O mercado editorial na região do sisal não existe. Não tem editoras, não tem feiras, não tem livrarias… O mercado na Bahia, de uma forma geral, ele é muito limitado. Nós não temos grandes editoras aqui na Bahia. Mesmo na capital. Quando você fala recôncavo, o recôncavo também tem pouca coisa. Na capital, temos quatro ou cinco editoras de pequeno porte, e que muitas delas – quase todas – trabalham com subvenção do estado”, afirmou o escritor e jornalista baiano Tasso Franco, em entrevista exclusiva.

O escritor e jornalista baiano Tasso Franco frisou que o mercado editorial do sisal não existe. Foto: Instagram de Tasso Franco

A região sisaleira é composta por 20 municípios, sendo alguns deles: Serrinha, Araci, Valente e Barrocas, e é localizada no norte do estado da Bahia. 

O jornalista e escritor também abordou as dificuldades enfrentadas pelos autores baianos:

“Nós temos uma dificuldade enorme de colocar (os livros) nas livrarias, porque as livrarias não querem… Nós que, em determinado momento, criamos uma livraria do autor baiano. Quando chegou no governo Wagner, ele acabou. Era no pelourinho. Acabou”, disse Tasso Franco.

Em meio a esse cenário, muitos autores, inclusive o próprio Tasso, converteram-se para o mercado da publicação independente, seja de forma individual ou através das editoras independentes, que não são afiliadas a grupos ou investidores. 

A Cartonera das Iaiá é uma editora independente localizada na cidade histórica de Cachoeira, que tem como diferencial a produção artesanal de títulos com materiais como papelão. Andressa Prazeres é mestrada em Literatura e Cultura pela UFBA e é quem deu início a esse projeto. Ela contou que a Cartonera das Iaiá surgiu em 2017 com o primeiro livretinho que ela fez com Bárbara Uila.

“Eu e ela, um poema de cada, um meu, um dela, que eram histórias forasteiras. E esse livretinho, na verdade ele foi um experimento que a gente fez, porque a gente queria fazer ele nas oficinas que a gente tava dando, na Irmandade da Palavra, que foi um projeto que formou uma rede de escritoras do Recôncavo e era um projeto de oficina de escrita criativa e a gente queria fazer em cada uma das cidades um livrinho”, contou Andressa Prazeres.

A mestranda explicou sobre a origem do nome dado à editora. “Então foi assim que surgiu, e foi nessa brincadeira que a gente deu o nome também, porque a ideia era que fosse uma editora acolhedora para a escrita de mulheres, por isso o nome Cartonera das Iaiá.”

Por seguir processos artesanais, a editora se diferencia em relação ao mercado tradicional. Isso faz parte da identidade da empresa, mas também impõe certas dificuldades, não só no tempo de confecção, mas também em reprodução gráfica e distribuição. 

Para conferir mais sobre a editora e o mercado editorial independente na Bahia, clique aqui. 

Apesar do clima tenso em que se encontra a literatura na Bahia, Tasso termina com um pensamento positivo:

“Tá melhorando. Tão fazendo mais feiras. O governo do estado abriu uma cancela para fazer mais algumas feiras. Fez uma feira em Conquista, fez uma feira no extremo sul, fez uma feira em Canudos. A bienal do livro aqui desse ano teve muita gente, foi uma boa bienal”, afirmou. 

Investimentos em Cultura

Em 2024, os governos federais e estaduais investiram fortemente em cultura. Só pela Lei Paulo Gustavo, foi um investimento de R$ 3,8 bilhões na cultura. Mais especificamente na literatura, também houveram melhorias. Através da Política Nacional de Leitura e Escrita, o governo está no processo de implementação de 130 mil Cantinhos da Leitura em todo o país, um projeto com orçamento de R$ 4,8 milhões. O decreto foi assinado durante a 27ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo deste ano. 

No dia 4 de novembro de 2024, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, se pronunciou em rede nacional quanto aos investimentos: 

“A cultura está recebendo o maior investimento da história… É na cultura que mora a alma do povo, o encerramento da vida, a liberdade de pensamento e a prática da cidadania. É também na cultura que o Brasil encontra espaço para crescer com geração de emprego e renda, justiça social e sustentabilidade ambiental”, afirmou a ministra da Cultura. 

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, destacou a importância da economia criativa. Foto: Divulgação

Margareth Menezes também falou sobre a importância da cultura para a economia. “A economia criativa representa mais de 3% do Produto Interno Bruto – que é a soma de toda a riqueza produzida no país – e emprega mais de 7 milhões e meio de pessoas. Vocês se lembram o quanto a cultura foi maltratada pelo governo anterior. Acabaram com o Ministério, cortaram verbas, sucatearam o setor.”

Problemas estruturais

Apesar disso, muitos municípios ainda enfrentam falta de investimento e comprometimento com projetos educativos e literários. 

Na cidade de Serrinha, o prédio da Biblioteca Municipal, que ficava na Praça Morena Bela, ao lado do Colégio Estadual Rubem Nogueira, foi demolido no ano de 2020 devido a problemas estruturais. No mesmo ano, começou a construção do que seria o Centro de Estudos e Tecnologias (CET), que comportaria uma nova biblioteca com capacidade muito maior, com previsão de entrega para o ano seguinte. 

“Vai ser um espaço dedicado ao aprendizado e ao conhecimento, principalmente dos nossos jovens”, afirmou o prefeito Adriano Lima (ex-PP).

Animação do projeto CET que comportaria uma nova biblioteca com capacidade muito maior em Serrinha. Divulgação.

Até então, os mais de 80 mil habitantes de Serrinha dependem de projetos como a Biblioteca Comunitária da Filarmônica 30 de junho, que tem em seu acervo mais de 14 mil títulos e cerca de 2 mil leitores cadastrados.

A maior parte do acervo foi conquistado a partir de doações vindas de instituições como o Criança Esperança e a Fundação Pedro Calmon, além de escolas do município e doadores independentes. O funcionamento da biblioteca é mantido quase inteiramente por voluntários.

Momentos do 3º Concurso Literário de Poesia. Crédito: Instagram da Biblioteca Comunitária.

Para aumentar o alcance de leitores e colaboradores, a Filarmônica participou da primeira edição da Feira Literária Internacional de Serrinha (FELIS). A feira aconteceria novamente neste ano, tendo a Filarmônica como uma das realizadoras do evento, porém teve sua data remarcada duas vezes e agora tem pretenção de acontecer dos dias 6 à 10 de maio de 2025.

No dia 22 de outubro, durante transmissão ao vivo no Serrinha Podcast, membros da organização da feira falaram sobre a mudança de data. 

“Devido a nossa submissão ao edital da Fundação Pedro Calmon e a mudança no cronograma da execução até do próximo edital, nós ainda estamos na fase de recurso… Então, com essa mudança de cronograma e por essa dependência nesse momento do edital da Fundação Pedro Calmon, nós decidimos, em reunião colegiada, apresentamos uma proposta e nós decidimos por uma mudança da data da feira literária de serrinha de 2024”, disse Sandro Magalhães, secretário de educação de Serrinha e superintendente de cultura da Bahia. 

Sandro também falou sobre as esperanças para a festa e a situação atual da Bahia no meio literário. “A Bahia vive nesse momento uma explosão de feiras literárias, de realização de feiras literárias. O que é muito bom. Possivelmente, a Bahia sairá de 30 feiras, realizadas no ano passado, para quase 200 feiras que serão realizadas entre 2025 e 2026. Isso é fruto de uma reivindicação dos fazedores do livro, da leitura, dos intelectuais, do campo das editoras e das pessoas que querem ter acesso à literatura na Bahia.”