Mulheres e homens utilizam essas substâncias na sua relação psicológica com o ato sexual
Luiza Vitor

O uso de substâncias, sejam naturais ou químicas, faz parte do cotidiano da vida adulta. Fonte da foto: GettyImages
“Meu objetivo era me soltar e deixar o clima mais confortável e propício”, conta Juliana* quando questionada sobre o porquê de optar pela combinação de sexo e álcool, um dos aditivos mais comuns entre quem procura incrementar a prática sexual.
De acordo com um levantamento feito entre 2008 e 2016 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), enquanto as bebidas alcóolicas lideram o ranking de drogas mais consumidas pelos brasileiros, outras substâncias, como maconha e cocaína, por exemplo, também figuram na realidade da população. Nesse sentido, configura-se um cenário que atrela esses produtos ao sexo.
Ao longo da história, a humanidade frequentemente utilizou substâncias naturais e químicas para intensificar experiências intimistas. Praticadas desde tempos remotos até contextos modernos, essas associações refletem tanto crenças culturais quanto buscas individuais por novas sensações: na Grécia, por exemplo, o pensador Hipócrates recomendava a ingestão de lentilhas para aumentar a virilidade masculina; a Ciceona, bebida típica da antiguidade grega, estava, quase sempre, associada ao sexo em grupo.

Os gregos já associavam o uso de substâncias ao ato sexual. Fonte da imagem: Afresco de Herculano (50-79 D.C).
Nesse cenário, o que leva as pessoas a apostarem nessa combinação? O que esse fenômeno evidencia a respeito da promessa de potencializar o prazer ou mesmo a tentativa de camuflar inseguranças pessoais? Quais são os riscos desse hábito? Esta reportagem se debruça sobre essas perguntas – e busca entender por que, afinal, as drogas ainda fazem parte do imaginário sexual.
Fantasias
Juliana*, 21 anos, acredita que realizar o ato sexual sob efeito de substâncias deixa “tudo muito fantasioso”. E ela tem razão: ao serem consumidas, as drogas depressoras, sejam elas naturais ou sintéticas, diminuem a atividade mental, reduzem o estado de alerta, reduzem a atividade motora, a concentração e a capacidade intelectual, segundo artigo publicado pela revista Oswaldo Cruz, em 2019.
Em uma folha informativa divulgada em 2020 pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a perda de equilíbrio e coordenação motora, bem como a visão turva são alguns dos efeitos do álcool no organismo, algo que pode ser um atrativo para quem deseja diminuir a tensão no ato sexual.
No entanto, ainda que a vontade de perder a timidez seja alcançada, as substâncias podem gerar efeitos indesejados: “Eu ficava mais relaxado, mas tive episódios de disfunção erétil. O mau desempenho era bem mais comum do que sóbrio”, contou Leonardo*, de 26 anos, ao se referir ao uso de maconha e sintéticos durante o sexo.

Os efeitos no organismo na associação de substâncias ao sexo. Infográfico autoral.
Sexo sob uso de substâncias: uma questão de gênero?
A insegurança feminina surge com relevância quando o assunto é uso de entorpecentes associado ao sexo. De acordo com um estudo publicado em 2007 por pesquisadoras da Universidade Estadual de Nova Jérsei, a insatisfação da mulher com o próprio corpo proporciona um estado de autovigilância mais intenso durante o ato sexual, além de maior ansiedade durante a prática e menor satisfação no orgasmo.
É o caso de Juliana*: “Sinto vergonha do meu corpo. Quando vou me envolver com uma pessoa, fico em dúvida se realmente a pessoa sente atração por mim ou é apenas um acaso”.
Para a psicóloga e especialista em sexualidade Tatyane Varjão, os padrões estéticos atuam na necessidade de pertencimento social, que independe dos gêneros, mas que atinge significativamente as mulheres.
“Na história da humanidade, a mulher foi inserida no lugar do desejo, principalmente no de ser desejada. E busca-se atender a essa cobrança porque há vontade de pertencer”, afirmou a psicóloga.

Tatyane Varjão, psicóloga e especialista em terapia cognitiva sexual destaca que as mulheres são mais afetadas pelos padrões sociais. Foto: Acervo Pessoal.
Para os homens, a questão da performance sexual costuma ser idealizada e pode ter raízes no consumo de pornografia. Segundo uma pesquisa de mercado realizada em 2016 a pedido do canal de conteúdo adulto SexyHot, 76% dos homens brasileiros afirmam assistir a vídeos pornográficos. Dentre os entrevistados, alguns vêem esse tipo de produção audiovisual como uma “válvula de escape em casos de desilusão, solidão ou carência”, o que acende um alerta para o uso consciente dessas plataformas. Uma pauta que ganha relevo nesse sentido é a pornografia enquanto um potencializador sexual imaterial, não palpável.
A pornografia pode ser encarada como um potencializador sexual viciante?
A pornografia acompanha a história humana, desde as cerâmicas eróticas do Egito antigo à obra literária “Decamerão”, de Giovanni Bocaccio, no século XIV. Entretanto, com a popularização da internet, a partir da década de 90, ocorreu um boom da indústria de conteúdo adulto. Vídeos, fotos e textos ficaram muito mais acessíveis, migrando das fitas cassetes em locadoras para a palma das mãos de seus consumidores.

Sites de pornografia permeiam o imaginário sexual de muitos indivíduos. Foto autoral.
No entanto, enquanto alguns consideram esse tipo de material benéfico para a vida sexual, outros asseguram os malefícios que a prática pode trazer, como: desequilíbrio no sistema de recompensa (com liberação frequente de dopamina, hormônio do prazer), ansiedade, depressão, disfunção erétil induzida pela pornografia, objetificação de corpos e a idealização excessiva do ato sexual, de acordo com informações disponíveis no canal no Youtube do médico Drauzio Varella.
O principal malefício da prática já é alvo de diversas pesquisas. Em 2007, o psiquiatra canadense Norman Doidge divulgou um estudo que compara o vício em pornografia à dependência em cocaína e heroína. O pesquisador descobriu semelhanças nos caminhos cerebrais associados ao sistema de recompensa nos usuários das três drogas.
Será que, ainda assim, a pornografia poderia ser considerada um potencializador sexual? Mesmo que seja comum a presença de vídeos estimulantes em motéis a fim de “esquentar” a relação a dois, existem dados que discordam desse consenso. Para Doidge, os sites pornô permitem com que os caminhos do cérebro sejam condicionados às novas possibilidades audiovisuais, tornando os usuários menos atraídos por relações reais de interação sexual.
Quando um remédio para disfunção erétil vira meme…
A substância tadalafila é facilmente encontrada em sua versão genérica. Foto autoral.
Remédios para disfunção erétil são normalmente indicados para homens com o diagnóstico em questão, seja por causas vasculares, hormonais, neurológicas ou psicológicas, conforme o médico urologista José de Bessa Júnior. Segundo o especialista, essa classe de medicamentos também é indicada em casos de Hiperplasia Prostática Benigna (HPB), em que há dificuldade em urinar, e ainda quando há necessidade de reabilitação sexual após cirurgias na próstata.

O urologista José de Bessa Júnior explica as indicações de uso para a Tadalafila. Foto: Acervo Pessoal.
No passado, o maior público dessa medicação eram homens a partir dos 60 anos, no entanto, nos últimos anos houve uma alteração nesse dado: “Apesar das três faixas etárias procurarem esses remédios, há uma procura maior entre jovens e adultos”, afirmou o farmacêutico Caíque Macêdo.

O farmacêutico Caíque Macêdo explica a recente popularização da Tadalafila. Foto: Acervo Pessoal.
“Antes o medicamento para disfunção erétil disponível no mercado farmacêutico era o Viagra (citrato de sildenafila), e seu uso já era bem difundido, principalmente entre o público idoso. A patente do Cialis (tadalafila) acabou em 2017, então outros laboratórios começaram a fabricar o genérico, que tem um custo muito menor”, acrescentou Macêdo.
Fato é que a Tadalafila virou meme, ou melhor, “Tadala”, apelido da medicação. Numa rápida busca na internet é possível perceber a quantidade de conteúdo que aborda sobre a substância: músicas de piseiro e funk, cortes de podcasts e até recomendação do fármaco como pré-treino. Boa parte desse material dissemina informações distorcidas.
Dentre as mentiras propagadas, a ideia de que a Tadalafila deve ser usada como forma de evitar a impotência sexual ganhou força nas redes sociais. “Usar tadalafila para “prevenir” disfunção erétil em homens sem sintomas não é indicado e nem tem base científica”, complementou o urologista José de Bessa Júnior.
Antônio*, 24 anos, afirma ter escolhido a medicação pelas “garantias reais de que tudo ocorra bem”. O entrevistado, embora sem diagnóstico de disfunção erétil, também acredita que buscou a substância devido à ansiedade e pela “melhora de performance”, numa busca por potencializar o ato sexual.
De acordo com o farmacêutico, algumas razões explicam a opção recorrente à Tadalafila: o tempo de efeito é maior, o custo é baixo (custa cerca de R$7 uma caixa com quatro comprimidos) e a medicação não exige receita médica.
Uma outra desinformação acerca do remédio é o uso como pré-treino. É possível encontrar facilmente relatos a seguir:
Canais no Tiktok têm ajudado a difundir informações inverídicas na Internet. Vídeo editado pela repórter.
“Se tem estudo ou não, não sei, mas sei que você se sente muito mais vascularizado.” Não tem. O médico José de Bessa Júnior reforça: “Essa prática tem ganhado popularidade com a justificativa de melhorar a vasodilatação, o fluxo sanguíneo muscular e, consequentemente, o desempenho físico. No entanto, essa aplicação não tem respaldo científico consistente para o público saudável. Embora a tadalafila tenha efeito vasodilatador, seu uso para ganho de performance esportiva não está recomendado e pode trazer riscos”.
Entre os riscos, indivíduos com histórico de doenças do coração podem ser afetados, já que a alteração dos batimentos cardíacos e uma queda acentuada da pressão arterial são alguns dos efeitos colaterais da medicação, conforme publicado, em 2021, na Revista JRG de Estudos Acadêmicos.
O assunto ganhou bastante atenção e até mesmo o Profissão Repórter abordou o uso indiscriminado da Tadalafila, vista a gravidade da desinformação.
Dizem que c* de bêbado não tem dono… Quais os perigos desse ditado popular?
“Eu bebia bastante, então vivi experiências sexuais que não lembro direito, justamente por estar alcoolizada”, diz Giovana*, de 23 anos, quando questionada sobre a sensação de transar, ainda na adolescência, sob o efeito do álcool. O relato acende um alerta para o sexo sem consentimento a partir do consumo de substâncias.
De acordo com um estudo realizado em 2019 pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 66,9% das meninas entre 13 e 17 anos afirmam já ter experimentado o álcool, contra 59,6% dos meninos.
O fato que já é agravante por si só, ganha outra proporção quando o sexo juvenil é associado ao álcool, por exemplo. Segundo a jornalista americana Peggy Orenstein, em “Meninas e Sexo”, é significativa a quantidade de relatos de moças que não se recordam das interações sexuais por estarem embriagadas.
Aliado a isso, a indústria cultural reforça esse comportamento: músicas que abordam o consumo alcoólico para embebedar mulheres são comuns. É o exemplo de “Levanta o copo”, famosa na voz dos Aviões do Forró: “Se você tá com medo de pedir um beijo pra ela / Taca cachaça que ela libera”.
Normalmente, a bebida é vista como um facilitador masculino na conquista sexual de parceiras. Portanto, o endosso público dessa prática dá ainda mais vigor à cultura do assédio.
A psicóloga e sexóloga Iandra Mikaelly defende: “Na adolescência, que é um período de muitas descobertas, é comum termos o primeiro contato com drogas lícitas e ilícitas. Então é importante lembrar que, antes de fazer uso dessas substâncias, pensar na questão do consentimento, em como elas podem afetar ou não o seu discernimento para uma atividade sexual”.

A psicóloga e sexóloga Iandra Mikaelly acredita que o uso de drogas por adolescentes pode comprometer o consentimento em interações sexuais. Foto: Acervo Pessoal.
Quente e apimentado: alimentos afrodisíacos marcam presença na cultura popular
Mangaba, amendoim, aroeira, catuaba e jambu. Esses são alguns dos produtos naturais popularmente reconhecidos quando o assunto é estimular e intensificar o prazer sexual.
No geral, os afrodisíacos naturais são iguarias associadas à melhora do desempenho sexual, no entanto, nem sempre há um consenso científico sobre a eficácia real desses alimentos. Em reportagem para a BBC, a historiadora canadense Jennifer Evans defende a existência de um efeito placebo em quem consome tais produtos, fomentado por um contexto sociocultural.
Mas, certas plantas e folhas têm resultados aprovados pelo senso comum. É o caso de Celso Campos, cliente há mais de 30 anos das garrafadas, que são preparações à base de raízes e cascas de plantas. “Se me colocar para escolher uma garrafada ou um remédio de farmácia, eu escolho a primeira, porque eu sei que é natural, então não vai me trazer más consequências”, afirmou o entrevistado.
Entrevista com Juscélia de Cerqueira, conhecida como “Célia da Garrafada” e um dos seus clientes mais antigos, Celso Campos.
Sobre os afrodisíacos naturais, Celso Campos ainda completou: “Eu queria tomar algo novo. Tomei, deu certo, aprovei, então continuo tomando!”
Fato é que, por trás do uso desses produtos naturais, há, muitas vezes, o desejo de busca do prazer aliado a um interesse que instiga até os mais descrentes dos afrodisíacos. Para a psicóloga e sexóloga Iandra Mikaelly, “É possível observar que em muitos casos é justamente a curiosidade e a busca pela diversão”, disse ela acerca do uso de potencializadores sexuais.
Juscélia de Cerqueira, mais conhecida como Célia da Garrafada, costuma usar plantas como Pau-Ferro e Pau D’Arco em suas preparações. Segundo a vendedora de produtos naturais: “Plantas medicinais curam!”, defendeu ela.
Embora para muitos seja um tabu, os afrodisíacos de feiras, como também são conhecidos, fazem parte da cultura vernacular. A música “Caldinho de Mocotó”, do cantor Genival Lacerda fez sucesso entre as décadas de 1980 e 1990 no país. A canção, que aborda a busca pelo alimento para “ficar forte”, expõe a busca por esses alimentos na tentativa de melhora do desempenho sexual.
O sexo, embora seja um assunto popular, como diz Zé Ramalho em “Chão de giz”, ainda enfrenta preconceitos ao ser debatido. O ato sexual sob uso de substâncias esbarra muito mais em estigmas negativos.
Ainda assim, todos desejam ouvir as experiências alheias, afinal, “meu amigo quer saber…”: como mulheres e homens utilizam dos potencializadores na sua relação psicológica com o ato sexual?

