O ensino musical gratuito na localidade tem ofertado aos jovens mais possibilidades de ascensão educacional e profissional
Por: Shagaly Ferreira
Além das edificações históricas, do clima ameno e das festas religiosas populares, a localidade de Oliveira dos Campinhos, distrito de Santo Amaro, guarda também uma tradição em curso: o potencial de formação de músicos por meio de suas duas filarmônicas. Na sua região central, que cresceu ao redor da tricentenária Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, é comum se ouvir ao longe o som de um instrumento em uma ou outra casa, nas mãos de um jovem músico. Uma realidade que já faz parte da rotina local e que tem proporcionado uma mudança de vida para os jovens da comunidade.
Tudo começou no ano 2000, com a fundação da primeira filarmônica local, a Sociedade Filarmônica Lira Oliveirense – SOFLO, que, atualmente, conta com 35 integrantes. A organização se mantém com recursos adquiridos nas tocatas, geralmente em festas religiosas, e com doações de sócios. Ainda sem sede própria, o espaço para ensaios é cedido pela Santa Casa de Misericórdia, e as aulas acontecem três vezes por semana.
A organização tem como regente o maestro Edson Garcia, que teve sua formação musical iniciada em 2003, na própria filarmônica. Com os conhecimentos adquiridos ao longo dessa trajetória, o músico aprendeu a tocar instrumentos como flauta, clarinete e saxofone, podendo atuar profissionalmente em bandas pelo interior da Bahia e também em sala de aula. “Grande parte do que aprendi foi na SOFLO, porém tomei cursos na UFBA e tive experiências em outras filarmônicas em Santo Amaro, como a Filhos de Apolo. Com isso, comecei a tocar em bandas de forró, axé, arrocha e passei a dar aulas de música no programa Mais Educação, na rede pública de ensino”, diz ele.
Assim como seu regente, um dos músicos de destaque, na SOFLO, é o jovem Luan Charles Araujo, de 16 anos, que ingressou na filarmônica ainda criança, em 2013, tocando clarinete, sax soprano e sax alto. Além de instrumentista, o músico também é cantor, atuando em dois grupos musicais na igreja que frequenta, e possui um canal no YouTube, em que posta covers de músicas. Em suas redes sociais, o número de seguidores ultrapassa sete mil pessoas. Sua pretensão é investir na divulgação online de seu trabalho. “Pretendo continuar aprendendo novos instrumentos, e seguir gravando para o canal, fazendo-o crescer”, pontua o músico.
Ramo da Oliveira
Em 2014, o ensino musical em Oliveira foi ampliado. A criação da Sociedade Filarmônica Ramo da Oliveira – SFRO trouxe mais uma possibilidade de inserção dos jovens nessa área. Sua fundação foi fruto do projeto social SER CIDADÃO, no qual eram oferecidas aulas de música e cidadania para crianças da comunidade oliveirense. Hoje, a filarmônica é administrada através de uma diretoria executiva e mantida financeiramente com recursos próprios e doações esporádicas de sócios, sem investimento público direto. As aulas teóricas acontecem uma vez na semana, aos sábados, aliadas aos ensaios gerais, com a participação de 35 músicos.
A Ramo da Oliveira é regida pelo maestro Márcio Bandeira, que teve sua identidade musical iniciada na infância, cantando na igreja católica, atuando, posteriormente, como cantor na Orquestra Coral Gustavo Vianna e como instrumentista nas filarmônicas Euterpe Feirense e Lyra dos Artistas. “Entendo que o ensino de música oferecido pelas filarmônicas é, talvez, uma das únicas opções de formação musical e instrumental gratuita da comunidade. Sendo inclusive, fator de impacto social no sentido de oportunizar, além da educação musical, a perspectiva de descoberta de talentos e possível desenvolvimento profissional de alguns envolvidos”, diz o maestro, que é graduado em Licenciatura em Música pela UEFS.
Caminhos externos
Embora o público atendido pelas filarmônicas seja majoritariamente formado por moradores do distrito, a experiência da formação musical tem levado alguns desses jovens a migrar para outras localidades, com o objetivo de aprofundar seus estudos na área musical e realizar apresentações musicais com orquestras e artistas de reconhecimento nacional. É o caso da musicista Maria Isabel Silva, 17 anos, que integra a SFRO e fez parte da Orquestra Experimental Infantil da Bahia, pertencente à Neojibá. Multi-instrumentista, a estudante toca clarinete, requinta, sax alto, sax tenor, sax soprano, violão e bateria, contudo, ainda não teve condições financeiras de adquirir seus próprios instrumentos. “Como me apresento em diversos lugares os custos acabam sendo altos e ainda tem a manutenção do instrumento, que, infelizmente, é cara”, lamenta.
Já o músico Fábio Valverde, de 23 anos, iniciou seus estudos na SFRO e depois fez um curso básico de música no Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA), em Feira de Santana, até passar no vestibular para Licenciatura em Música na UEFS. “Durante esse período, participei de diversos grupos musicais, com formações e propostas distintas, a exemplo de bandas populares, passando do rock ao arrocha, orquestras com padrões europeus até orquestra de música afro-brasileira, assim como alguns grupos de quartetos e quintetos de metal”, acrescenta o estudante, que já possui seus próprios instrumentos e espera, futuramente, prestar serviços como professor, instrumentista e luthier.
Assim como seus colegas de filarmônica, o músico da SFRO Matheus Bacelar, 18 anos, também tem experienciado vivências fora do distrito, onde tem participação ativa na igreja católica, tocando contrabaixo e bateria. No ano de 2018, o jovem mudou-se para Salvador para facilitar o objetivo de ingressar na Escola de Música da UFBA. Integrante da Orquestra Castro Alves (do programa Neojibá), Matheus se dedica aos estudos teóricos e práticos. “A orquestra me contempla com uma bolsa, auxílio-moradia e transporte. Penso em fazer faculdade de música visando uma melhora no meu lado profissional e artístico, mas um dos meus objetivos é tentar sempre a melhora da comunidade, fazendo que mais pessoas venham aprender música”, complementa o estudante que, com ajuda de doações divulgadas em suas redes sociais, conseguiu, recentemente, comprar seu instrumento de trabalho, a tuba.
Por que coexistirem duas filarmônicas em um vilarejo tão pequeno? A pergunta mais comum ouvida pelos moradores de Oliveira dos Campinhos é respondida através de notas musicais fortes dos seus filhos, pelos seus caminhos trilhados cada vez mais longos e pela tradição que parece, gradativamente, caracterizar a terra oliveirense como celeiro musical. Os trabalhos desenvolvidos pelas filarmônicas, em meio às dificuldades e poucos recursos, são recompensados pelas histórias de sucesso de seus integrantes, que levam parte da pequena vila a ressoar mundo a fora.