O ensino superior e as consequências para a saúde mental dos jovens

Negligência das universidades brasileiras nas políticas de saúde mental tem reflexo no Centro de Artes, Humanidades e Letras da UFRB.

Catharina Arouca e Kaio Pereira

De acordo com pesquisa da Organização Mundial da Saúde, realizada em 2007, no Brasil, a cada 100.000 jovens de 20 a 24 anos, 5,4 se suicidam. O índice é extremamente preocupante, não apenas pela quantidade, mas pela faixa etária em questão. Tal preocupação gera burburinhos entre pessoas que perguntam porque, afinal, existe a crença de que o jovem não tem problema quando os dados mostram o contrário. Nessa faixa de idade, jovens de todo o mundo sofrem pressões de escolhas e responsabilidades que os acompanham ao longo da vida. Nesse período, eles estão entrando ou vivenciando cursos superiores, técnicos e\ou no mercado de trabalho, e carregam o peso de tornarem-se adultos na marra.

A saúde mental dos estudantes universitários é uma pauta necessária e que vem ganhando espaço pouco a pouco. A ponto do jornal Unifesp Livre ter anunciado em 2015 uma epidemia de depressão dentro do espaço universitário no qual ele é produzido, a Universidade Federal de São Paulo.

De acordo com Borges e Werlang, no livro Estudo de ideação suicida em adolescentes de 15 a 19 anos, as mulheres apresentam maiores taxas de ideação suicida que os homens, porque já carregam pesos de pressões anteriores, que somados ao processo universitário resultam em combinações determinantes. É o que pode ser aplicado ao caso de Samara Martins, estudante do curso de jornalismo no Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL).

Samara, que tem 29 anos, afirma que ingressar na Universidade foi um golpe de ânimo, mas que o processo dentro desse espaço não foi como o esperado: “O momento em que fui aprovada na UFRB em 2012 foi um momento motivacional em minha vida, de muita alegria pois eu já me encontrava em um quadro depressivo. Então passar na UFRB e ainda mais no curso que sempre sonhei, foi como se eu tivesse reencontrado minha alegria de viver. As expectativas eram as melhores possíveis, mas confesso que não imaginava que seria essa jornada árdua que enfrento.”

A doença de Samara foi diagnosticada antes da aprovação, em 2010. Dentro do contexto universitário, porém, a jovem possui, na teoria, amparos psicológicos para sua permanência. Há formulações legais para estabelecer os protocolos institucionais para os acompanhamentos. Mas Samara não conseguiu isso na prática. Ao procurar ajuda na Universidade, teve como resposta que o atendimento estava suspenso e que quando não estava, era realizado em espaço aberto e sem privacidade.

Essa foi uma situação já solucionada no CAHL segundo o psicólogo Leandro dos Reis e o atendimento agora é realizado em uma sala do prédio Ana Nery, setor administrativo da Universidade. Mas nem todos os problemas foram solucionados e a fala do psicólogo esclarece a situação: “Encontro uma limitação institucional, ou seja, o serviço de psicologia da PROPAAE não oferece a psicoterapia, fazemos uma triagem para entender qual a situação do discente, a partir daí faço encaminhamentos para os serviços de psicologia do município, da UFRB ou particular se tiver condições. Um ponto importante é que a absorção do município é um problema muito sério para os estudantes do CAHL. Existem demandas e a cidade muitas vezes enxerga o estudante como não pertencente à ela. Principalmente pelo elevado números de demandas que também é um problema identificado no serviço de psicologia da UFRB, dificultando os nossos colegas”.

Na UFRB é a Pró-Reitoria de políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis (PROPAAE) que é responsável pelas políticas em saúde mentais e mesmo sendo uma instância direcionada aos estudantes da universidade, existem falhas e o problema se agrava na categoria. E quando o psicólogo é questionado sobre a demanda de culpa da Universidade, ele explica em um contexto macro político: “Esta não é uma questão apenas da UFRB e de sim todas as universidades brasileiras. Por ser um problema muito sério, existe uma necessidade grande de se trabalhar isso. Durante muito tempo houve uma negligência das universidades federais no sentido da saúde mental. Tratando o tema como algo secundário, portanto tem uma parcela de culpa muito grande”.

Recentemente a UFRB revelou alguns dados sobre as características do corpo discente e 83,4% de estudantes são autodeclarados negros e 82% oriundos de famílias com renda total de até um salário mínimo e meio. Segundo a universidade esses dados são frutos da política pública de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), e o crescimento do número de jovens baianos, em especial da população mais negra e pobre no ensino superior é uma conquista.

Gráfico raça/cor/etnia dos estudantes da UFRB

Diante desses dados o psicólogo foi questionado se a UFRB tem uma responsabilidade maior que as outras universidades brasileiras e ele foi pontual: “Sem dúvida! Políticas referentes à saúde pública na UFRB deve ser prioridade. É necessário cuidar desses estudantes de vulnerabilidade. Estamos falando de negros, pobres, quilombolas que a maioria das vezes, são os primeiros da família a ingressar em uma universidade federal. Acredito que existam muitas coisas a serem feitas e pensadas pela UFRB para possibilitar condições dignas para esses estudantes. Isso tem que ser feito! Um exemplo: dois dias de atendimento do psicólogo no CAHL é pouco pelas demandas do Centro. Acredito que a ampliação dos dias é uma saída para fortalecer as estratégias.”

E ainda completou: “Para melhorar a situação é necessário estratégias para ampliar os espaços que falem do tema, transparência e desmitificação das coisas referente à psicologia. É importante também não se limitar a questão institucional, e ser trabalhado com toda comunidade, ampliando as redes de cuidados”.

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