Reluzir e explorar: o ouro de Jacobina e seus impactos

Ao longo dos seus 300 anos de existência, a história da cidade está ligada ao bem mineral, que contribuiu para o desenvolvimento econômico e cultural local

Licia Júlia Mendes

Quem viaja pela BR-116, partindo de Salvador ou Feira de Santana, rumo ao norte do estado da Bahia, testemunha, pela janela do carro ou ônibus, a transformação da paisagem. Os tons quentes e terrosos do verde misturam-se ao marrom, e a presença ou ausência do mandacaru indicam se houve ou não chuva por ali. As serras, com sua beleza e imponência, ficam cada vez mais próximas e familiares. Nesse percurso, o viajante chega a Jacobina, a “Cidade do Ouro”.

Fundada em 1722, Jacobina é conhecida como ‘Cidade do Ouro’. Ao longo dos seus 300 anos de existência, a sua história está fortemente ligada à exploração aurífera, que contribuiu para o desenvolvimento econômico e cultural local.

Território indígena, a história de Jacobina origina-se com os povos Payayás, que habitavam a região, adaptados a biodiversidade local e o clima do sertão baiano. A vida dos povos originários na região foi drasticamente interrompida no início do século XVII, quando as buscas por pedras preciosas, que se concentravam na Chapada Diamantina, expandiram-se para o norte, onde os bandeirantes encontraram ouro.

Conflitos

A notícia de que existia metal dourado nas serras daquela região se espalhou rapidamente, atraindo lavradores e garimpeiros de várias regiões. Esta descoberta gerou intensos conflitos entre os bandeirantes e povos originários, que lutaram pela preservação do seu território. Essa resistência resultou no deslocamento forçado, aldeamento e genocídio indígena.

O desejo pelo ouro e os conflitos pela posse do território são evidências da presença de Jacobina no ciclo econômico do Brasil Colônia, deixando marcas na identidade da cidade. Após a repressão aos povos indígenas, os bandeirantes dominaram a região e se estabeleceram nela, iniciando uma incansável busca pelo ouro.

 Durante os primeiros ciclos de exploração, os bandeirantes se reuniam às margens do Rio do Ouro e Itapicuru, naquele tempo, era possível encontrar depósitos auríferos, com facilidade nos limites dos rios. A proximidade das águas permitia que a mineração manual fosse a principal técnica de extração da época.

Garimpo no Rio Itapicuru, 1980; Imagem: Lídenício Ribeiro, Acervo digital NECC-UNEB Jacobina

Daquele período em diante, a cena de um garimpeiro segurando a bateia e fazendo movimentos circulares foi se tornando cada vez mais comum. Essa atividade tornou-se uma das principais ações econômicas da cidade dando origem ao título da “Cidade do Ouro”.

No início da década de 1980, a extração aurífera em Jacobina tomou proporções industriais, quando empresas multinacionais conseguiram a concessão de lavra – licença para operação de atividade mineral – e se instalaram na cidade. A primeira indústria a se consolidar na cidade foi a AngloGold Ashanti Brasil Mineração, também conhecida como Morro Velho, uma multinacional sul-africana, e principal mineradora no estado de Minas Gerais. 

Produção

Angelo Amorim Neto, natural de Jacobina e geólogo formado há 47 anos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), integrou a equipe do grupo Morro Velho no ano de 1982. Ele conta que, quando começou a trabalhar na empresa, a pesquisa mineral estava toda pronta e presenciou a produção das primeiras barras de ouro.

“A metalurgia de Jacobina começou em novembro de 1982. Eu estava na mina, quando começou a britar moer e produzir os lingotes de ouro”, disse o geólogo.

 

Angelo Amorim Neto, 72 anos. Foto: Lícia Júlia M.

            A mineradora Morro Velho encerrou as atividades de extração em 1990, em virtude de problemas legais, a concessão de lavra foi adquirida por outra multinacional.

Em 2023, a mineradora Yamana Gold vendeu todos os seus ativos para a Pan American Silver. De acordo com informações publicadas no portal da mineradora, estima-se que o montante da transação tenha sido de aproximadamente, US$1.001,302,56 milhões, além da aquisição de 42% das ações da Pan American.

Atualmente, a empresa que usufrui do requerimento de lavra do território jacobinense, é a Pan American Silver, uma mineradora canadense especializada na extração de prata e ouro. Segundo informações disponíveis no portal da empresa, a corporação opera 13 mineradoras distribuídas em 8 países,  abrangendo a América do Norte e, principalmente, a América do Sul. Até então o único investimento da mineradora em solo brasileiro está em Jacobina. 

De acordo com informações presentes no Jacobina Mine Tour, no terceiro bimestre de 2024, a mineração extraiu o equivalente a 8,400 mil toneladas de ouro. Em geral, durante o ano inteiro foram produzidas 195.427 de onças – medida padrão da barra de ouro – com o ouro de Jacobina. Na cotação atual, uma onça está valendo R$ 15.984,09.

As atividades de exploração aurífera, realizadas por grandes indústrias minerais internacionais, permaneceram por 40 anos, sem pausa. As  mil toneladas que são extraídas da cidade, diariamente, já tem viagem marcada, todo o ouro coletado na cidade, é exportado por avião para fora do país.

Bem mineral na Bahia

De acordo com dados do Sumário Mineral – novembro/2024, da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SED), o ouro é o principal bem mineral produzido na Bahia, equivalente a 53,84%, em seguida tem o níquel 14,56%, e a cromita 5,91%.

Dos 53,84% de ouro extraído, na Bahia, 34% é retirado em solo jacobinense. O Brasil faturou, em média, US$ 63,79 milhões, no mês de outubro, totalizando de janeiro a outubro de 2024, US$ 585,9 milhões. Confira na tabela quais são os bens materiais importados.

Reprodução: SDE

Ainda que a extração mineral continue, a cidade não depende somente deste segmento. Atualmente, a economia da cidade apresenta uma diversidade de setores, como apontam dados recentes da plataforma Date MPE Brasil, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O Comércio Varejista lidera com 23,6% de participação, seguido pela Administração Pública, Defesa e Seguridade Social, com 17,7%, e pela Extração de minerais metálicos, que ainda mantém a histórica, representando 11,6% da economia local.

Em um local que tem tanto ouro imagina-se que a população esteja farta de ver o brilho dourado, mas se engana quem pensa assim. Ainda que a cidade seja a 1° em extração de ouro na Bahia, os únicos jacobinenses que podem ter visto ouro, tem mais de 70 anos, e aqueles que realmente conhecem o minério dourado trabalham com o garimpo.

Izaías Santos, morador da cidade de Jacobina há 33 anos, nasceu e cresceu em uma casa de garimpeiros. Aprendeu a profissão ainda criança com o pai, Edivigem Santos, e aos 13 anos de idade já o acompanhava na busca por pedras e minérios preciosos. Ele passou por todos os tipos de garimpo, foi assim que aprendeu todos os processos da extração mineral.  Edivigem, hoje com 80 anos e aposentado, transmitiu um legado de mais de 60 anos de conhecimento e trabalho árduo no mundo do garimpo.

 O garimpeiro Izaías Santos aprendeu o ofício com o pai quando era criança. Foto: Lícia Júlia M.

“Eu com 30 anos de idade, já trabalhava com tudo no garimpo, já descia buraco, já detonava tiro, já furava tiro, já trabalhava embaixo do chão a 100 metros, 200 metros de fundura”, contou Izaías Santos.

Atualmente, o garimpeiro faz parte da CoopGarimpeiros Cooperativa Mista de Extração de Minérios e Garimpeiros de Jacobina LTDA, localizada no bairro da Grotinha, com atividade de extração no Morro do Cruzeiro .

 A cooperativa é uma organização formada por pessoas que se unem para atender as necessidades e os interesses sociais, culturais e econômicos coletivos, por meio de uma empresa de propriedade conjunta e democraticamente gerida, segundo o  Sebrae.

Cooperativas e sustentabilidade

A formação de cooperativas é uma alternativa eficiente para a formalização e sustentabilidade da atividade mineral. Um exemplo deste modelo é  a cooperativa de Novo Horizonte, 376 km de Jacobina, que passa por processos de exploração, com 11 tipos de minérios, entre eles pedras preciosas como esmeralda, ametista, turmalina e diamante.

A iniciativa de fundar uma cooperativa de garimpeiros em Jacobina, surgiu em 1999, a partir da necessidade de formalizar as atividades de garimpo na região, garantir o direito de extração para o garimpeiro jacobinense, além de segurança e melhores condições de trabalho.

Embora a iniciativa para a fundação da cooperativa tenha começado em 1999, foi somente em 2007 que os cooperativados conseguiram o direito s a concessão de lavra, sob o número  873435/2007. De acordo com dados no site econodata, a CoopGarimpeiros tem aproximadamente 500 cooperativados.

Ângelo Amorim, é um dos cooperados, que contribuiu para a legalização da CoopGarimpeiros, o geólogo fez estudos e leituras de mapas que apresentam informações sobre a quantidade e o local do ouro, dentro do território da cooperativa.

Segundo Ângelo Amorim, o fato de Jacobina ter tanto ouro tem relação com sua estrutura geológica. A formação das serras jacobinenses é resultado do fenômeno chamado serra do córrego, sinais de que a bilhões de anos, aquela área era ocupada por mares rasos. Estima-se que o solo jacobinense tenha quatro camadas de ouro, presente na matriz do conglomerado – nome técnico para pedra –, segundo o geólogo, a maior parte do ouro da cidade está situado no lado sul da cidade.

Fotos: Lícia Júlia M.

Josiel Dias, 49 anos, é diretor financeiro da cooperativa e participou do processo de legalização da CoopGarimpeiro desde o início. Ele trabalha com o garimpo há 24 anos e conheceu a profissão por meio de colegas. A princípio, apenas acompanhava e observava os serviços, até o dia em que começou a praticar as atividades de mineração. Ele não nega as dificuldades da vida no garimpo, especialmente por ser um trabalho que também depende da sorte, mas ainda assim, não nega o que sente pelo garimpo.

“Eu já pensei de procurar outras fontes, eu largava por um tempo mais voltava, quando a gente pega o amor não tem jeito”, afirmou Josiel Dias.

Foto: Lícia Júlia Mendes

Alguns cooperativados, como Fábio dos Santos, não escondem a felicidade de poder fazer o que gosta, em um espaço que foi concedido e permitido para este tipo de atividade. Fábio dos Santos trabalha com mineração há 22 anos, foi apresentado ao garimpo por seu cunhado, há quem ele relembra de forma saudosa. E relembra seu início no garimpo: “a primeira vez que eu desci, senti aquele frio na barriga. Mas hoje em dia me sinto melhor lá embaixo do que aqui em cima”.

 Fábio Santo: “O garimpo é uma coisa que já vem no sangue, parece. Quando a gente vira garimpeiro não vira mais homem”. Foto: Lícia Júlia Mendes.

Marllus Vinicius, um dos cooperados mais novo, com 26 anos, começou sua relação com o ouro cedo. Quando tinha 15 anos conheceu o garimpo por meio dos seus primos, Flavinho e Neginho, a quem considerava um pai. Ele fala que para trabalhar no garimpo é necessário confiar em quem está te acompanhando, e ser paciente: “o tempo até achar o dinheiro é difícil, passa de três a dez meses no processo de busca, comendo farinha com feijão”.

Ainda assim, Marllus Vinicius conta que suas melhores lembranças foram criadas dentro do garimpo e suas amizades verdadeiras a 200 metros abaixo do chão, somente uma coisa justifica.

Marllus Vinicius, 26 anos, começou aos 15 no garimpo: “Só eu mesmo para entender isso, e às vezes nem eu entendo, mas resumindo, isso é amor.”. Foto: Lícia Júlia Mendes

A equipe de reportagem tentou contato com o presidente da CoopGarimpeiros Cooperativa Mista de Extração de Minérios e Garimpeiros de Jacobina LTDA e até o fechamento da reportagem não obteve retorno.

Apesar da relevância econômica da mineração em Jacobina, os riscos à população são consideráveis para o meio ambiente, infraestrutura local e tragédias ambientais. Nos dias 18 e 19 de dezembro de 2024 foram registrados dois tremores de terra no município de Jacobina, as informações são do Laboratório de Sismológico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Esses tremores podem ter ligação com as atividades de mineração da cidade.

Outro risco iminente para a população é o desabamento da barragem de rejeitos da mineradora Pan American Silver, o último registro de acidente envolvendo a barragem em Jacobina aconteceu em 2020, em nota a empresa responsável, tranquilizou os moradores e informou que a pilha de estoque não tinha nenhuma influência na estrutura da barragem. 

Depois de chegar a Jacobina e conhecer os motivos históricos e econômicos que a coroam como a “Cidade do Ouro”, existe um charme especial por lá. Apenas os jacobinenses e aqueles que dispuseram algum tempo na cidade conseguem entender. No final da tarde, por volta das 16 horas, quando o sol ilumina os morros jacobinenses, e reflete a sua luz, o dourado que brilha nas serras, independente da estação do ano. Esse, sim, talvez seja o maior motivo de Jacobina ser chamada de “Cidade do Ouro”.