Mãos de Maria

Crédito: Diogo Silva de Oliveira

Por Diogo Silva de Oliveira

Sua netinha sequer reclamava dos ‘puxavões’ de cabelo da avó. Dona Maria comprovou, com isso, ter as mesmas mãos habilidosas que fazem cestas de cipó.

Essas mãos, que têm quase 60 anos de prática, arrancam as tiras dos pés de bananeira para fazer cestas sob encomenda.

As mãos de Dona Maria aprenderam o necessário para se viver em uma casa de taipa, dividida outrora com os pais, vindos de São Felipe, depois com o marido, logo mais com os treze filhos, e agora, aprende a conviver com oito subrinhos e netos.

Essa mãos saberiam ensinar a fazer farinha de mandioca, cortar cana-de-açucar, lavar as roupas no rio Jaguaripe e até pescar. Um ciclo, mesmo não sabendo ela, que vem de fora. “Mas os meninos de hoje não tem paciência”, afirma Dona Maria. Para ela, ninguém quer nem sentar para esperar um peixe passar. “Eu não pesco muito, mas dá pra ficar se divertindo”, sorriu.

Crédito: Diogo Silva de Oliveira

“Nunca gostei de ficar quieta”, por isso diz que trabalhou desde pequena e não gosta muito de sair.

Até hoje ainda se come muita pueira da casa de Dona Maria em diante. Seus netos pegam um ônibus da prefeitura para chegar à cidade. O transporte passa duas vezes ao dia. Umavez de manhã, por volta de 7 horas, e outra de tarde, mais ou menos 13 horas. Pelo que se vê quando o transporte passa, o prato é cheio, só que bem dividido. Além dos meninos, vão e vem adultos, mesmo em pé com o risco do prato principal descer para os pés.

Para Dona Maria, quem ensinava era a ‘cumade’ Rita, ‘cumade’ Rose, mas lamenta: “Tem coisas que não dá pra aprender”. Seus dois netos, filhos de Eliana, afilha que mora mais perto, aprendem a rezar na sala de aula. A rotina deles é esperar o ônibus, ir para a escola, brincar, fazer as atividades e dormir. O que altera um pouco é quando o carro quebra. “A professora já sabe, ela entende, aí a gente repete a reza com ela na sala.”

Dona Maria tem fortes marcas nas mãos, e uma pele de sol-a-sol. Suas mãos juntas eram para segurar os fardos de cana-de-açucar.

As estradas entre Maria e seus familiares ainda não diminuíram. De seus treze filhos, dois estão em Santo Antonio de Jesus, uns moram em Salvador, outros em São Felipe, outros no Areal. Quando se juntam, todos comem no quintal de terra batida que ela me recebeu. “Cada um traz um pouco daqui, um pouco dali…”.

A criançada corre pelo quintal, é tanta animação que ela diz arrancarem os cabelos das ‘ ventas’ dela. Nem todos os netos, filhos e sobrinhos vêm de uma vez só. Apenas em falar, Dona Maria teve brilho nos olhos e o sorriso mais largo. As lembranças de Eliana, do tempo em que ela vivia com a mãe, parecem ter se apagado dela. O tempo em que a mãe “cansou de apanhar” do marido. Televisão nova, geladeira de segunda mão, Dona Maria nem dá ousadia. A impressão é que o sorriso dela não sairia de seu rosto, assim como o olhar faceiro ainda de menina.

Crédito: Diogo Silva de Oliveira

2 comentários sobre “Mãos de Maria

  1. Di, arrasou no jornalismo literário!
    E as fotografias estão magnifícas, um verdadeiro olhar fotográfico.
    Fiquei emocionada. O conceito de família antigamente era tão diferente e tem gente que até hoje matém certas tradições, como o reecontro e a brincadeira no fundo do quintal.
    Se jogue, jornalista.

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