Terceiro ano no Estadual: “se eles forem reprovados, abandonam”

As turmas de terceiro ano no Brasil são as que mais aprovam no ensino médio. Em 2016, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, foram 89,7% de aprovação, 6% de reprovação e 4,3% de abandono. 

 

O ano é 1928. No dia 26 de março, Anísio Teixeira, então Diretor Geral da Instrução Pública da Bahia, batizava, em Cachoeira, um pedaço do que ele considerava fundamental no caminho para uma educação democratizante: a Escola Primária Superior da Cachoeira. Um local que ensinaria ciências, sem nunca perder de vista o ser humano. Tratava-se de cidadania. Algo planejado para se expandir pela Bahia em prol do desenvolvimento de sua educação.

Escola Profissional da Cachoeira, Escola Industrial da Cachoeira, Sociedade Cooperativa Ginásio da Cachoeira Ltda, Curso Pedagógico e Ginásio da Cachoeira. Ao longo dos anos, teve vários nomes, e até se moveu. Inaugurada à Rua Treze de Maio, nº 13, prédio que hoje abriga a Fundação Hansen Bahia, se muda para Praça Ariston Mascarenhas, onde ainda hoje faz morada. Mas é em 1966, dois anos de golpe militar, que se assume Colégio Estadual da Cachoeira. Estadual, para os mais íntimos.

Atualmente, com 89 anos de idade e mais de 1400 alunos, distribuídos em ensino Fundamental II, Médio e Profissionalizante, tem sua estrutura espalhada em três prédios que abrigam Laboratório de Química, Física e Biologia, de Informática, Sala de Música da Banda Marcial, Biblioteca, Oficina de Pequenos Reparos, laboratório dos Cursos Profissionalizantes, Sede do Grêmio Estudantil, quadra poliesportiva, rádio interna escolar, auditório e um pátio. Pátio que eu pisei por volta das nove da manhã do dia 26 de julho, após pedir permissão ao seu Robson, porteiro.

Horário de aula, para todos, embora alguns dividissem o pátio comigo, naquele instante. Apesar de ser uma manhã chuvosa. Sentados ou de pé, rindo, conversando, brincando. Com orientação de seu Robson, segui adiante. Procurei pela direção e quando a encontrei: mais jovens. Sentados aos arredores e, desta vez, menos agitados. Mais íntimos. Mas foi a “pró” Lena quem me encontrou. Fomos para a secretaria. Lá, a encarei por um instante. Olhei os jovens do lado de fora e a olhei novamente: a senhora já ouviu falar que “no terceiro ano, não se reprova”?

 

O TERCEIRO ANO NO BRASIL E EM CACHOEIRA

Apesar de ser a classe que lida com os conteúdos de maior grau de complexidade do colégio, as turmas de terceiro ano do Ensino Médio são as que apresentam maiores taxas de aprovação em todo o Brasil, segundo dados coletados, em 2016, pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira -, órgão vinculado ao Ministério da Educação, seguidas, respectivamente, pelas turmas do segundo e do primeiro ano.

Uma realidade que todas as escolas da rede pública do Brasil têm em comum se materializa na composição dessas instituições: a maioria dos estudantes é pobre. Alguns já precisam conciliar seu tempo de estudos com o de trabalho, pra ajudar das despesas de casa. Por conta dessa realidade, há quem diga que escolas públicas têm uma pré-indisposição a reprovar alunos no terceiro ano.

 

Maria Helena dos Santos Araújo, a pró Lena, vice-diretora do Estadual, em um tom de surpresa e um tanto risonha, diz: “Ah, não! Aqui não tem isso não. O que acontece com o terceiro ano é que os jovens estão mais motivados. É ano de vestibular e então eles se esforçam mais.” Eis que surge uma nova inquietação, a qual compartilho com ela: se há um maior esforço, é esperado que, como consequência, a média desses alunos melhore em relação aos outros anos. Isso acontece?

Mudança no semblante e uma resposta curta: “É. Realmente não há essa melhora.”. Em seguida, pró Lena reconhece a existência de algo parecido no Estadual. Existência reconhecida, pergunto-lhe, então, se há uma facilitação por parte dos professores na avaliação dos alunos. Negativa imediata! Então como?

“Aqui é uma escola urbana, mas é rural. A maioria dos alunos daqui vem da roça, são pobres e alguns deles já trabalham. Eles têm pressa. Querem terminar o colégio e sair daqui. Há alguns casos do professor realizar uma atividade extra pra ajudar algum aluno que não conseguiu atingir o rendimento necessário, ou em um caso de gravidez, por exemplo.”

Diante de um semblante definitivamente abatido, pergunto: A senhora é favorável a esse tipo de prática?  

“Não. Acho que isso vai fazer com que eles repitam a história dos pais. Uma vez, eu estava em Salvador e encontrei uma ex-aluna no shopping. Ela estava trabalhando em uma lanchonete chinesa e estava super feliz por que, naquele dia, havia sido promovida a gerente do estabelecimento. Apesar de sua alegria, aquilo me deixou triste por que este pode ter sido o ápice que aquela jovem conseguirá atingir”.

 

Por que acontece, então?

 

Porque eles vão sair de qualquer jeito. Se forem reprovados, vai ser pior, por que eles abandonam e ficam sem o diploma”.

Deixo a sala da secretaria. À escolta de alunos chego na sala dos professores, onde encontrei cinco deles. Era horário de intervalo. Duas professoras juntas num sofá, tomando café e checando o “whats”. Três à mesa, conversando. No canto mais distante dela, Denilson Torres, professor de inglês (no ensino médio) e de língua portuguesa (no fundamental) e o mais comunicativo ali presente. Brindou à “saúde da parceria entre o Estadual e a UFRB” e me ouviu. Uma vez ciente do meu questionamento, afirmou seguramente:

“Eu avalio o desempenho do aluno durante o ano para, baseando-se nisso, resolver se faço ou não uma atividade extra para ajudá-lo. Muitos deles são pobrezinhos. Filhos de pai agricultor e mãe analfabeta. Eu já vi família inteira que mora na roça vir aqui cheia de orgulho no dia da formatura. Dizendo ‘tá sendo gente!’. E muitos deles não querem entrar na Universidade. Têm pressa, dependendo de suas circunstâncias.”

 

 

OS ALUNOS

Professora sentada à mesa, comendo algo e assistindo seus alunos conversarem alto, e espalhados, demais para que pudessem estar falando sobre o mesmo assunto. Aproximo-me e ouço: “Você pode tentar falar com eles. Eu tô meio rouca, mas eu vim pra sala pra eles não ficarem sem aula”.  

Trinta e quatro alunos no “terceiro A”. Turma com cinco trabalhadores. Grupos de amigos nos quatro cantos da sala. E uma jovem grita: “gente, cala a boca aí que o moço quer falar!”. Silêncio parcial, e nada duradouro. Cinco interrupções, somente da mesma solidária menina, até que saísse a pergunta: vocês seriam favoráveis a uma possível cultura de não reprovação no terceiro ano?

Papel e caneta entregues para que cada um possa opinar de maneira organizada e, é claro, a mesma jovem pula de sua cadeira para garantir seu voto sem vacilo algum, com um sorriso esperto no rosto: sim. E foi seguida por mais 20 dos seus colegas ali presentes. Os outros 13 afirmaram ser contra, apresentando discurso semelhante ao dos 9 jovens que se mostraram contrários à possibilidade no “terceiro C”.

Turma em atividade, esta com 4 trabalhadores, e os “mesmos” grupos espalhados. Um destes, composto apenas por meninos que pareciam ver algo extremamente sigiloso e deveras interessante num celular, pelo modo como o escondiam e queriam vê-lo, todos ao mesmo tempo. A primeira jovem a se pronunciar: “Eu não! O aluno tem que ser aprovado é por mérito próprio”. Pela ênfase, talvez tenha influenciado alguns. Mas, com certeza, não a todos. Uma das jovens, esta particularmente, parecia mais velha, agarrou papel e caneta: “Quer saber? Eu sou é a favor mermo!”. Isso, pouquinho antes de fechar seu caderno e comunicar à professora que não mais faria a atividade. 18 dos 27 alunos desta turma se mostraram favoráveis. 

Em 2016, o terceiro ano apresentou uma média de aprovação menor que os anos anteriores. Foram 33 alunos reprovados, o que corresponde a 21% das turmas. Quase o dobro de 2015 e mais que o dobro de 2014.

 

 
*História do Estadual obtida no texto “89 anos da Escola Primária Superior da Cachoeira, hoje Colégio Estadual da Cachoeira: Onde tudo começou no Prédio å Rua Treze de maio nº. 13”, escrito por Anderson Luis de Jesus Pinto, estudante de Museologia pela UFRB, e entregue ao Estadual como presente pela comemoração pelo aniversário de 89 anos.

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