A luta pela permanência na universidade para além das salas de aula

por Flávia Xakriabá

Foto: Guilherme Cavalli

Desde maio de 2018, no governo Temer, o Ministro da Educação, na época Rossieli Soares da Silva, anunciou cortes no auxílio financeiro direcionado à indígenas e quilombolas que estudam em universidades e institutos federais. Já no final do mês abril de 2019, o atual Ministro da Educação Abraham Weintraub anunciou o corte de 30% nos investimentos das universidades federais do país. O argumento é que assim, poderiam priorizar e beneficiar financeiramente a educação básica. De acordo com os dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo (Siop), o valor do congelamento nos investimentos em todas as etapas da educação já passa dos R$7 bilhões. Esse corte inclui verbas para construção e manutenção de escolas, capacitação de profissionais da educação, transporte e também diminuição de verbas para estudantes de ensino superior, sobretudo estudantes indígenas, quilombolas e de baixa renda, afetando diretamente o sistema de Bolsa Permanência. Segundo o MEC, o bloqueio das verbas foi feito para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos.

Insatisfeitos com as últimas notícias do governo em relação a educação superior, cerca de trezentos  estudantes indígenas e quilombolas de todo Brasil se reuniram em uma mobilização unificada, que aconteceu em Brasília – DF, entre os dias 3 e 5 de Junho. O objetivo principal da mobilização seria reivindicar a reabertura do Sistema de Bolsa Permanência que de acordo com os estudantes, não reabre desde o início deste ano, sendo que o sistema deveria ficar aberto para receber novas inscrições o ano inteiro. Com isso, os estudantes indígenas e quilombolas que ingressaram em 2019 e 2019.1 não puderam se inscrever no programa, gerando até desistências na realização de matrículas para ingresso nas universidades. É o caso de Marinalva Xakriabá, aprovada no curso de Administração na Universidade Federal de Minas Gerais, “Eu fiquei com medo de fazer a matrícula e a bolsa não abrir, porque os outros lá da minha aldeia que estudam disseram que já tem é tempo que não abre, e minha família não tem condições pra me manter na capital. Resolvi deixar pra uma próxima vez, quem sabe dá certo”, afirma Marinalva.

REPRESSÃO POLICIAL

Além do objetivo principal da mobilização, os estudantes levaram outras pautas como: Demarcação dos territórios indígenas e quilombolas e a recuperação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no Sistema Único de Saúde, extinto em março pelo governo do então presidente Jair Bolsonaro. A mobilização dos estudantes correu dois meses depois do Acampamento Terra Livre (ATL), que é a maior mobilização de povos indígenas do Brasil, realizado em abril, também na Capital Federal.

Durante a marcha até o Ministério da Educação, os estudantes foram recebidos com bombas de efeito moral e spray de pimenta, “Estávamos reivindicando nossos direitos na saúde, a bolsa permanência, a educação dos povos indígenas, fazendo nosso ritual. Os policiais chegaram e sacaram spray de pimenta, não só em mim, como também em outros parentes que estavam cantando. Não viemos atrás de guerra”, explica Acauã Pataxó, estudante da UFBA.

MOBILIZAÇÃO CONTÍNUA

De acordo o Inep, entre 2010 e 2016 o número de estudantes indígenas saltou de 7 mil para mais de 44 mil. Na Universidade de Brasília, por exemplo, a quantidade de indígenas na graduação e pós-graduação já passa de duzentos.

Segundo a UnB, o chamado contingenciamento da educação do governo Bolsonaro, a suspensão do repasse de recursos chega a 48,5 milhões de reais, o que significa 39% do orçamento aprovado da Universidade. A grande preocupação dos estudantes é com cortes no Programa Bolsa Permanência, que é uma ajuda mensal de novecentos reais para moradia e alimentação desses estudantes de Universidades Federais, o programa existe desde 2003 e graças a ele o acesso de estudantes indígenas e quilombolas ao ensino superior bate recorde ano a ano. Acabar com o programa significa inviabilizar a presença de povos indígenas e quilombolas nas Universidades.

Foto: Tiago Miotto

REABERTURA DO SISTEMA

Após a intensa mobilização em Brasília, o Ministério da Educação (MEC) garantiu a reabertura de quatro mil novas Bolsas Permanência para os estudantes indígenas e quilombolas até o dia 29 de junho. O compromisso foi assumido em reunião realizada após uma marcha de estudantes e lideranças até o MEC.

Porém, o orgão alega que devido à falta de recurso, o programa não contemplara totalmente os estudantes indígenas e quilombolas, e por esse motivo, prometeu-se “facilitar o diálogo” com reitores de Instituições de Federais de Ensino Superior (IFES) para que os aproximadamente 1200 estudantes que deverão ficar desassistidos sejam priorizados em outra plataforma, o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES).

De acordo com o estudante quilombola da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Lucas Ribeiro, mesmo com a liberação de quatro mil novas bolsas, a preocupação continua pelo fato de não atender todos os estudantes, “uma vez que a própria instituição, além de dar auxílio a outros estudantes, teria que nos dar também, e a gente sabe que com os cortes, as universidades não tem verba suficiente para atender a todos”, afirma o estudante de Museologia.

 

 

 

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