Antônio Sales, um artista apaixonado

Vida, obra e opiniões do artista Antônio Sales em uma conversa.


Aos 55 anos, Antônio Sales, graduando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), é um dos artistas contemporâneos de Cachoeira que durante muito tempo ajudou a fomentar o mercado da região e ainda hoje é inspiração para quem está iniciando no segmento. Com diversas exposições de arte individuais e coletivas, Antônio guarda um grande conhecimento sobre o avanço da cena artística da cidade. Em uma conversa descontraída ele fala sobre sua vida, como descobriu que tinha aptidão para a arte e critica o mercado.

Desde os 12 anos Antônio diz que se envolveu com atividades, a exemplo do karatê, e culpa a genética pela sua veia artística, puxada de sua tia paterna. “Minha tia morou no Japão durante muito tempo, sempre gostou de violino, tocava piano, era muito ligada a esse mundo. Já meu pai não. Eu acho que essa genética puxou dela – a arte, escultura, movimento cultural e tal. E eu já tinha essa pré-disposição para desenho, para tudo”, conversa o artista.

Ainda no colégio ele percebeu seu gosto pelo desenho quando, com o colega de sala Gilson, fazia competições para ver quem desenhava melhor as capas de seus gibis favoritos. Na sala, toda atividade que exigia mais detalhes e um trabalho mais artístico, ele era convidado para produzir. “Surgiu uma moda e até os professores me chamavam para fazer os trabalhos com letra de forma, por que eu escrevia muito rápido e sempre era escolhido para fazer. Já era uma coisa artística, então fui estudando, gostava muito de ler, de aprender sobre culturas diferentes, universais”, relembra Sales.

O artista também divaga sobre as competições com seu amigo de infância, Gilson, mostrando uma autocrítica com seu trabalho, característica que trouxe consigo no decorrer da carreira, tornando-o perfeccionista com suas artes. “Eu sempre digo que ele desenhava melhor do que eu, no resultado final sempre achava que Gilson tinha mais habilidade no traço. Embora fosse muito páreo o resultado, sempre achava que o desenho dele era melhor que o meu”, comenta.

Exposições

Há muito tempo no mercado, Antônio coleciona exposições renomadas, tanto coletivas quanto individuais, e fala sobre seu trabalho com muito orgulho. Uma de suas favoritas e mais badaladas, segundo ele mesmo, foi a “Toda Nudez Não Será Castigada – Pinturas recentes de Sales’’, onde ele inovou ao colocar um outdoor na entrada da ponte que liga Cachoeira à São Félix e pintou ao vivo o corpo de cinco estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que também fizeram performance durante a exposição.

É nítido o orgulho de Antônio ao revelar ser o único artista de Cachoeira a receber um prêmio no salão do Museu de Arte Moderna de Salvador (MAM-BA). Os salões são conhecidos por serem frequentados principalmente por artistas internacionais e estudantes de Belas Artes da UFBA.  Na seleção, ficou entre os dez premiados. “Até hoje ninguém conseguiu me tirar esse título. Outras pessoas já conseguiram prêmios até melhores, mas do Mam ainda não, porque eu acho que é um prêmio mais complexo. Naquele momento fui feliz em ter feito dois desenhos que a comissão julgadora achou ter o traço bem contemporâneo, e fui premiado”, comemora, também pensando em seu processo de amadurecimento como artista.

Outra exposição que ele cita com afeto foi a instalação de barras de gelo no Dannemann, galeria de artes de São Félix e onde também funciona atualmente a fábrica de charutos da região, tendo um centro cultural que Sales deu suporte e participou de quase todas as Bienais de Artes realizadas no local. Antonio explica sua obra como sendo conceitual, cujo objetivo era a interação direta com o público, que podia tocar e abraçar as barras.

A intenção é fazer com que seja uma obra que não seja permanente, mas que tenha a participação efetiva do público, o que teve.  Não vai ficar fisicamente para sempre, mas que fique para sempre na memória das pessoas. E que as pessoas participem tocando a obra, isso foi importante.

Segundo Antônio, o mercado artístico em Cachoeira era mais efervescente antes da chegada da UFRB. Na sua opinião, o mercado está em constante mudança e a chegada dos estudantes modificou o modelo artístico que já existia na cidade. “Hoje o processo é outro. Por exemplo, tem o Cachoeira Doc que é uma outra dinâmica. Então os artistas ficaram mais restritos. Os artistas de hoje da região talvez tenham se amedrontado com o seguimento universitário e se inibiram até de expor suas obras e também perderam seus espaços aqui.  O epicentro de exposições aqui da arte realmente acabou”.

Mercado

Durante a conversa, Sales deu ênfase diversas vezes sobre a atual situação do mercado de arte. Para ele, conseguir entrar nesse nicho requer mais do que apenas talento, mas também sorte, bons contatos e foco dentro do meio. Por conta das dificuldades, ele aconselha que os artistas tenham um outro meio de sobrevivência que não somente a arte. Dando sua experiência como exemplo, ele citou os diferentes empregos que já teve, como professor de inglês e atualmente como servidor público. “Eu dei aula de inglês, eu treinei karatê muito tempo, eu pinto, desenho, faço várias outras coisas, independente de onde esteja, não passo fome. Ensino desenho ou qualquer outra coisa. Então acho que o artista jovem tem que ter vários instrumentos na mão para sobreviver”.

Antônio ainda diz que, sendo servidor público e tendo uma renda fixa, não precisa vender suas obras por qualquer preço, já que aquela não é a sua principal fonte de sustento.

Quem quer ter um Sales em casa não paga menos de dois mil reais.

O artista também comenta os processos difíceis para ser notado dentro do mercado. Para ele, há um preço a ser pago e cita como exemplo grandes bandas do rock que começaram na década de 1970 e que ainda hoje fazem sucesso, embora ele considere que outras bandas menos conhecidas tenham maior qualidade musical. “O reconhecimento está nas pessoas gostarem do seu trabalho e comprarem também para você sobreviver. Porque não adianta dizer ‘Ah, sou um grande artista plástico’ que eles irão pensar ‘Ué, e você mora aqui? Não tem nem um ateliê, um estúdio?’. Então são essas questões que permeiam o trabalho de qualquer artista”, divaga.

Não é apenas o mercado brasileiro que perpassa por dificuldades. Sales comenta a situação de artistas europeus que também enfrentam batalhas diárias para conseguir sucesso no mercado. “Se você for na Itália, na França, esses lugares, você vai ver um monte de gente vendendo, fazendo desenho na feira, na rua, pintando retratos. Então você mora na Europa, é artista, mas você é rico? Não, você está ali vendendo para sobreviver. Isso se reflete no mundo. O mundo da arte é um mundo complexo, o problema não é seu talento, é o mercado”, critica.

Na gringa

Um dos momentos em que o orgulho por sua arte se tornou visível, foi quando o artista citou suas vendas internacionais. “Uma vez teve um casal que chegou aqui, eu estava fazendo uma exposição na Dannemann e coloquei três trabalhos abstratos, era uma exposição coletiva. O casal de jovens da Itália viu os trabalhos, procurou saber quem eu era e vieram aqui em casa”. Sales questionou o casal sobre o motivo que os levaram a sair da Itália e comprar uma obra de arte vinda do interior da Bahia. A resposta foi que eles não sabiam como explicar e que foi amor à primeira vista.

Os trabalhos do artista também podem ser encontrados em países do mundo inteiro, como Filadélfia, Japão e Austrália. Antônio fala com satisfação o fato de todos os clientes terem indo atrás dele para comprar suas obras.

Clichês do meio artístico

Ao falar de artistas conhecidos mundialmente, Sales não pôde deixar de criticar Romero Brito, pintor nascido em Pernambuco e erradicado nos Estados Unidos. Ao falar sobre Romero, Antonio explica que grande parte de seu sucesso veio da sua boa equipe de marketing. “Ele é um cara muito esperto, tem uma foto dele e Bill Clinton, ele e Barack Obama, ele e Dilma com o quadro que ele dá de presente. Você acha que o Clinton comprou o trabalho dele? É papo furado. Ali é mídia e promoção. É assim que funciona o mercado, sendo que ele não é bem visto na Escola de Belas Artes”, salienta.

Sales também fala sobre o trabalho do artista pernambucano na realidade ser uma cópia dos pintores uruguaios Rhod Rothfuss e Carmelo Arden Quin, mentores do movimento abstrato MADI, conhecido no mundo todo e que teve seu apogeu nos anos 40 e 50.

Artista Multimídia

Ficar parado vai contra o espírito inquieto de Antônio, que se considera um artista multimídia e de experimentações. Ele comenta que hoje existem diversas formas de se fazer arte, sem necessariamente estar preso a uma tela branca e tinta.

Tocar um baixo, tocar bateria, pintar, desenhar, ir para o computador e editar um vídeo. Gosto de produzir coisas diferentes, nunca gostei de só fazer uma coisa, por isso eu não quis cursar Artes Visuais, porque todo mundo já me conhecia aqui como artista plástico e mesmo assim fiz concurso para a Universidade, estou fazendo cinema e quero fazer mestrado. Você não pode ficar parado, você tem que evoluir como pessoa, tem que ter foco. A palavra é foco.

Iasmyn Gordiano e Victor Rosa

Foto da capa e fotos da galeria: acervo pessoal de Antônio Sales

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