Caminhos: A rota da educação na Bacia do Iguape

O difícil acesso à escola é uma realidade dos estudantes que moram em comunidades rurais e territórios quilombolas em todo o país. Em Cachoeira, em especial na Bacia do Iguape, a distância a ser percorrida, a precariedade das estradas vicinais que ligam as comunidades e a falta de políticas de incentivo tornam a trilha da educação mais tortuosa, e há quem prefira seguir outros caminhos.

A Bacia do Iguape é formada por 13 comunidades remanescentes de quilombos: Caibongo, Calembá, Campina, Dendê, Imbiara, Imbiara de Cima, Engenho da Ponte, Engenho da Praia, Kaonge, Opalma, Palmeira, Santiago do Iguape e São Francisco do Paraguaçu. Segundo dados do Ministério da Educação, apenas três unidades de ensino contemplam os estudantes dessas localidades. Duas delas em Santiago do Iguape e uma em São Francisco do Paraguaçu, comunidades centrais da bacia.
Estudantes das comunidades mais distantes da borda chegam a percorrer em média 30km para chegar à sala de aula. Como as estradas não são pavimentadas, o período de chuvas transforma o trajeto numa saga. Os ônibus escolares não conseguem passar por alguns trechos, que ficam alagados ou enlameados, e boa parte dos alunos acaba faltando às aulas.

Estudantes de comunidades mais distantes, como o Engenho da Ponte, fazem dois trajetos: à pé até as estradas vicinais e empresas​ seguida de ônibus.
A trilha, porém, não se resume à estrada. A Bacia do Iguape tem um baixo indicador socioeconômico, de acordo com dados do MEC. 80% da população está registrada profissionalmente como marisqueira ou pescador, atividade exaustiva e de pouco retorno financeiro. Para complementar a renda familiar, jovens tentam conciliar os estudos com a maré, o que muitas vezes não funciona.

O que dizem os dados

Apenas três escolas registradas no MEC contemplam as 13 comunidades da Bacia do Iguape. Dessas, apenas uma oferece turmas de Ensino Médio. Em todas elas, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), está abaixo da média. As três também compartilham o fato de não terem espaços de aprendizagem como bibliotecas, salas de leitura, laboratórios de ciência e informática, auditórios e quadra de esportes. No entanto, já oferecem computadores e serviços de banda larga.

CEET – Especialmente quilombola

Fundando em 4 de maio de 1981, o CEET surgiu como um centro de extensão do Colégio Estadual da Cachoeira. A alternativa foi proposta durante a gestão do governador Antônio Carlos Magalhães devido à distância entre as comunidades quilombolas e a sede. Torna-se colégio em 1992, seguindo as diretrizes comuns da Educação.
Das três unidades escolares, o Colégio Estadual Eraldo Tinoco é o único que segue as Diretrizes para a Educação Quilombola, estabelecidas pelo Governo Federal em 2012. Sendo assim, o CEET tem uma dinâmica diferente das outras escolas do município, além da oferta obrigatória de matérias como História da África. Além disso, deve também se comprometer a reforçar as questões identitárias e de afirmação, sendo um espaço de enfrentamento a práticas opressoras, como o racismo.

No dia 21 de julho, o CEET realizou a Jornada Pedagógica, para definir os rumos que o colégio tomaria e as ações que seriam desenvolvidas até o ano seguinte. Da jornada, nasceram dois frutos: a criação do colegiado, com representes docentes, estudantis, de servidores e pais e mães de estudantes, e uma proposta de mudança no nome do colégio, que poderá deixar de homenagear o ex-secretário de Educação da Bahia para fazer alusão ao local onde está inserido.

Para a diretora do CEET, Itana Soares, a proposta de rebatizar a unidade como Colégio Estadual da Bacia do Iguape é uma forma de reforçar os laços identitários e a representatividade dos estudantes. Apesar de Eraldo Tinoco ter sido um nome importante, ele não carrega o mesmo simbolismo para o território quilombola. Os estudantes aprovaram a mudança e deixaram seus nomes no abaixo-assinado que será encaminhado para a Secretaria de Educação.

O CEET é o único que segue as Diretrizes para a Educação Quilombola no município.

 

Qual é a trilha?

Apesar de a palavra “trilha” ter aparecido algumas vezes desde o início do texto, a principal reclamação dos estudantes é a falta de estradas de qualidade até o destino final. A maioria das vicinais não é pavimentada e no período chuvoso os buracos e a lama tornam o trajeto cansativo, e por vezes inviável. Animais na pista também representam um perigo constante. Por ser uma região rural, povoada por pequenos agricultores, cavalos, jegues e cachorros são uma visão comum.

Desafios

Para os estudantes contemplados com ônibus e transporte alternativo a rota é mais simples. Disponibilizados pela prefeitura, os transportes seguem o itinerário pela Bacia do Iguape, com pontos de parada nas comunidades que contam com estradas ainda transitáveis. Pela manhã, um ônibus de empresa privada, pago pela gestão pública, tem como ponto de partida a Opalma e segue para Engenho da Ponte, Engenho da Praia, Kaonge, Dendê e Campina, até chegar nas escolas de Santiago do Iguape. Outro ônibus sai de Cachoeira e traz estudantes do Buraco da Raposa e Engenho Novo. Por fazer parte de uma rota alternativa, é necessária uma Kombi para buscar alunos que moram no Caibongo. À tarde, há apenas um ônibus que parte de São Francisco até o Iguape.

Mas, nem tudo são flores. A professora da Escola Municipal de Santiago do Iguape, Iacy Souza, aponta que com a nova rota dos transportes escolares destinados à professores da sede e demais localidades distantes do quilombo,  muitos educadores têm chegado atrasados nas escolas, dificultando a pontualidade das aulas e prejudicando o andamento do aprendizado. Além disso, ela ressalta que com as mudanças planejadas pela atual gestão cachoeirana os desafios serão ainda maiores, visto que entre estas está o funcionamento das escolas em um único turno. A professora afirma que se trata de uma decisão absurda e ineficaz, devido ao número de alunos matriculados nas escolas. “A consequência será a superlotação das salas de aulas e a grande redução no aprendizado”, disse.

A linha de transportes, porém, não contempla todos os estudantes. Na comunidade da Imbiara, os estudantes precisam percorrer boa parte do trajeto à pé, até chegar em um ponto de passagem dos ônibus. Quando chove, uma lagoa se forma no meio do caminho, e os jovens precisam passar pela lama. Não é difícil entender o aumento no número de faltas em dias assim. A vice-diretora do Colégio Estadual Eraldo Tinoco, Clara Amorim, chamada carinhosamente de Duca, ouve regularmente as mesmas reclamações dos alunos, mas pouca coisa pode ser feita. Grupos de estudantes chegaram a filmar as condições do transporte e das estradas e enviar para sites de notícias e páginas nas redes sociais. Apesar da repercussão, nada foi feito.

 

Mas não são apenas as estradas reais que preocupam Duca. O distanciamento dos estudantes ao mundo virtual é para ela outro grande problema. O CEET conta com computadores e internet, apesar de os equipamentos não serem suficientes para todos. O acesso à web, no entanto, é interrompido quando os estudantes voltam para casa. A maioria não tem computadores. “Eles têm dificuldades em ter acesso a vários meios de comunicação e a fontes de pesquisa, isso preocupa”, disse.

A história soa como clichê. Possivelmente existem outros relatos parecidos de realidades vividas por jovens de comunidades quilombolas e rurais em todo o país. Porém, há alternativas. A evasão escolar é um outro problema levantado por educadores. As principais causas são a gravidez na adolescência e as condições financeiras familiares que têm obrigado os estudantes a buscarem empregos e, consequentemente, abandonarem a sala de aula. Ainda assim, este problema tem diminuído ao longo dos anos, e continuar os estudos na Educação Superior não é mais uma alternativa descartada. A trilha ainda é a mesma, mas, felizmente, há outros caminhos.

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