O ‘Brasil’ de Gilberto

por Caio Batista e Natália Figueiredo

Foto: Divulgação/Arquivo Estadão

Celeiro de algumas das produções mais emblemáticas e significativas da música nacional, o Nordeste e seus filhos-artistas, em sua maioria, sempre foram fiéis às suas tradições, ao tempo em que dialogavam com outras tantas realidades culturais. Isso motivou experimentos que viraram movimentos de vanguarda memoráveis e que refletem até os dias de hoje na nossa cultura, eternizando nomes como o do baiano João Gilberto, que ao juntar o jazz com a nossa música nacional, se tornou uma espécie de pedra fundamental do que se tornou a Bossa Nova.

Pelo que se sabe, antes de João Gilberto o que havia era um samba mais ditado pela canção, carregado de melancolia e consternação. É João quem dá ao samba-canção a malandragem, o suingue, o ritmo, e tudo isso a partir do violão, ratificando o que Vinícius de Moraes sentenciou no ‘Samba da benção’, quando disse que “o samba é a tristeza que balança”. A leitura do Brasil que João faz no seu violão é algo quase que transcendental. 

Em 1981, ele convocou a doçura bárbara de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Maria Bethânia, para dar ainda mais graciosidade baiana ao registro do disco ‘Brasil’, que não precisa de mais do que seis músicas para dizer o que é o nosso país, permeado pela gênese negra e nuances da sua Bahia-mãe, terra primeira e levada como estandarte por Gilberto, seja para os mais provincianos lugares do Brasil, seja para as mais cosmopolitas capitais mundiais. O disco conta composições de Ary Barroso, uma falando propriamente sobre nosso estado – ‘Tabuleiro da Baiana’ – e a eternizada ‘Aquarela do Brasil’, que fala do país de uma maneira geral, mas dialogando com uma negritude “bemba” (ou bem baiana, se preferir). A cereja do bolo vem com ‘Cordeiro de nanã’, dos cachoeiranos Tincoãs, uma das canções mais singelas e doces já feitas, e um mantra da cultura afro-brasileira. 

Com ‘Brasil’, João Gilberto se mostra o baiano que ajudou a edificar e consolidar o que temos de música brasileira hoje em dia. Seguindo ao pé da letra João Ubaldo Ribeiro, que por sua vez parafraseou Platão quando disse que “a necessidade é a mãe de todas as porcarias”, Gilberto demonstra que não é preciso grandes extravagâncias ou fugir da sua própria natureza para se fazer uma obra prima, sendo o trunfo de tudo o amor ao que se faz. 

Salve João, salve o ‘Brasil’
Salve eu, “1-2-3, salve todos”.

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