Queima de espadas é realizada em Cruz das Almas, mesmo sendo proibida

Flávia Viera e Ivana Moreira

A tradicional queima de espadas, é reconhecida como atributo cultural do São João de Cruz das Almas – Bahia há décadas. Atraindo vários turistas, de todo o território brasileiro. Alguns vem a cidade no mês junino para conhecer e prestigiar a tradição, admirar a sua beleza durante a noite por esbanjar seu espetáculo de luzes, cores e rabeios, outros já tem a prática de tocar as espadas.

A espada é um artefato bastante antigo, mas que veio passando por várias transformações ao longo do tempo. Os materiais utilizados para a sua produção são; bambus, pólvora, limalha de ferro, barro e cordão de sisal.

 

A Proibição

Desde junho de 2011 a fabricação das espadas é reconhecida de natureza criminosa, a decisão judicial teria proibido, embora seja tradição na cidade, o fabrico é considerado ilegal pela justiça.O Ministério Público da Bahia, pediu a proibição alegando risco a população, o que não foi suficiente para impedir os espadeiros que manusearam o artefato pelas ruas de Cruz das Almas.

Segundo o promotor de Justiça José Reis, houveram muito mais pessoas envolvidas com a prática em 2018 do que no ano passado: “ É muito complicado você fazer uma repressão na prática quando tem um número grande de pessoas envolvidas. Tem muita gente envolvida, tem muita gente que tá ali dando número, dando apoio, e dificultando a atuação policial, toda essa situação gerou pra gente complicação. Esse ano foi de fato um retrocesso, mas, estamos nos planejando para melhorar ainda mais ano que vem”. Finalizou o promotor.

Conservar a Tradição

O espadeiro N.L, de 30 anos, há 10 anos fabrica o artefato mesmo sabendo de todos os riscos que ele corre: “ O que me incentiva para continuar fabricando as espadas em primeiro lugar é a tradição, não é de hoje que eu fabrico, o que me deixa muito entusiasmado quando chega esta época. Sei que é perigoso, mas tenho certeza que existem coisas mais perigosas do que as espadas”.

Há pessoas que utilizam equipamentos para se proteger das espadas, como por exemplo; roupas jeans, capacete, luvas, óculos e assim se prevenindo de uma queimadura mais grave. “ Geralmente eu uso roupas mais pesadas, um coturno, caneleira e óculos, tem pessoas que gostam de utilizar luvas também, eu não uso porque confio nas espadas que fabrico” Concluiu o espadeiro.

As espadas dividem opiniões

A estudante de cinema, natural de Salvador, mas reside em Cruz das Almas há 20 anos Ivanessa Moreira, não gosta das espadas, mas vê como uma tradição de Cruz das Almas e a respeita: “ Desde criança eu via no período de junho as pessoas fazendo espadas, logo vejo que há muito tempo as espadas já eram tocadas em Cruz das Almas. Sou a favor da regulamentação, mas que tenha um lugar específico para essa prática e que todos possam se deslocar pela cidade sem precisar correr de uma espada”. Finalizou Ivanessa.

Já a vendedora Débora Silva, é contra esta prática, em sua opinião, os espadeiros causam desordem e prejuízos para a população em geral: “ Se tivesse um lugar fechado só pra quem gosta, como os espadeiros e os simpatizantes não me importaria, mas soltar nas ruas eu não concordo, pois as ruas ficam sujas, os telhados das casas ficam todos quebrados por causa das espadas e as paredes ficam horríveis”.

Débora reconhece as espadas como parte da cultura local e  enfatiza que a cidade ficou famosa através da sua tradição: “ É algo atrativo na cidade que faz com que pessoas venham de fora para verem a guerra de espadas, se tem turistas a cidade de uma certa forma lucra”.

A jornalista Natália Verena, natural de Cruz das Almas, já sofreu dois acidentes praticando a queima das espadas, e apesar disso continua amando a tradição da sua terra:  “Sou filha de Cruz das Almas, acredito que a tradição é uma consequência disso, me queimei uma vez, na segunda vez foi o mais grave quando a espada explodiu na minha mão, e eu quase perdi um dedo. É tradição da minha cidade, e eu amo a guerra de espadas, acho que não deve acabar de jeito nenhum, sou apaixonada mesmo e a favor de continuar essa tradição bonita, que eu conheço desde que nasci”.

Operação São João, resultou em prisões

Durante o São João deste ano 7 ou 8 pessoas foram detidas por portarem ou tocarem espadas, o advogado Valtercio Filho, entrou com um pedido de liberação em favor dos presos:  “ Quando ocorre o flagrante de delito, nesse caso como crime é afiançável a gente entra com um pedido de liberdade provisória, com arbitramento de fiança e o juiz envia esse pedido para um parecer do Ministério Publico, e depois retorna pra ele, para a decisão”.

A partir do momento que o juiz concede a liberdade provisória, é importante ressaltar que essas pessoas irão responder o processo em liberdade: “ Não significa dizer que quando eles são soltos por um pedido de liberdade provisória que o processo acaba aí, eles podem ser denunciados ou não. Naturalmente vão responder a um processo criminal e ao final pode chegar com uma sentença, de condenação ou de absolvição”.

 

Contexto histórico das espadas

Segundo Moacir Carvalho em seu artigo: Brincando com Fogo: origem e transformações da guerra de espadas em Cruz das Almas, a espada é um artefato com pelo menos seis ou sete séculos de existência. Tudo indica que é de origem árabe do século XIV inicialmente trazia uma função bélica.

A guerra de espadas no recôncavo, provavelmente seria o resultado de uma síntese simbólico-material destacando-se os motivos militares e religiosos, resultando em um sentido funcional para o objeto, mas síntese que não é nem bélica nem religiosa, uma vez inscrita em um evento particular, o São João. Essa guerra aconteceu até meados de 2009, e trazia as transformações que ocorreram ao longo de mais ou menos um século, e se caracterizava pela disputa galhofeira entre grupos visando o controle de determinado espaço, utilizando-se para tanto um artefato pirotécnico, a espada.

A palavra espada está ligada ao fato da sua manipulação ser possível por parte do guerreiro, como é chamado aquele que vai para as batalhas de espadas. Na década de 40, a estrutura básica da guerra passou a ser influenciada por alguns fatores, pois o festejo junino ainda era basicamente familiar e domestico, sendo que Cruz das Almas provavelmente não possuía mais que 15.000 habitantes.

A exibição entre as décadas de 1960 e 1970 se aproximava mais de uma estética que visava fascinar o público e o adversário pela qualidade da própria espada, a atual foi se convertendo a partir do final dos anos 70 e inicio dos 80 numa forma de espetáculo que contava, cada vez mais, com a participação de jornais escritos e da televisão, e que passava a ser exibido para um público não nativo.

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