“Você não escolhe por quem se apaixona. Acontece”: o que contribui para que moradores do nordeste torçam para times do eixo Rio-SP

A torcida é, sem dúvida, um dos principais motores que alimentam a prática do futebol. Diversos fatores o enquadra como esporte mais popular do planeta. A massa de torcedores canta, vibra, apoia, cobra, lota estádios e, mesmo que esteja distante do clube, sempre arruma uma forma de demonstrar o seu amor.

Uma realidade que ocorre aqui no Brasil é a de grande parte de pessoas do país, especialmente do interior do norte ou nordeste, identificar-se como torcedoras de times de outros estados. E esse dado é mais expressivo quando esses times pertencem ao eixo Rio-SP.

Não é à toa que as duas maiores torcidas do Brasil são destes estados. Flamengo, com 18%, e Corinthians, com 14% lideram o ranking com os maiores números de torcedores em todo território nacional, de acordo com uma pesquisa divulgada pelo Datafolha em abril deste ano.

Outro retrato disso pode ser visto em uma parceria entre o portal Globoesporte.com e o Facebook. Na análise, um mapa mostra o comparativo dos dois clubes de futebol mais curtidos na rede social por cada cidade. Com os dados é possível ver que a massa de corintianos e flamenguistas cobrem boa parte do país. Cabe destacar que equipes como São Paulo e Vasco também possuem notoriedade em outras regiões fora de seus estados.

Mas vale lembrar que esse mapeamento não representa o número de torcedores por município, e sim o número das equipes mais curtidas no Facebook em cada localidade. Isso mostra qual o nível de alcance dos clubes em outras regiões e estados.

Há situações na qual a pessoa torce para uma equipe da sua cidade/estado, mas não abre mão de torcer também para um grande time do sudeste. Ou então, em outros casos, a grande preferência do torcedor é uma equipe de “fora”, mas seu time B é algum outro mais próximo do seu contexto diário.

Uma situação semelhante é a que vive o torcedor do Sampaio Corrêa-MA Michael Barbosa. Ele relata que na sua família é o único que torce para um time local, mas tem simpatia pelo Flamengo por influência tanto da mídia quanto do seu pai:

Tem uma relação antiga. A antiga rádio nacional do passado transmitia jogos dos times do sudeste, e o fortalecimento do futebol local demorou a chegar. Mas hoje em dia é mais fácil você não se corromper. Mas isso vem mudando aos poucos aqui no Maranhão, como no nordeste.”

O jovem de 24 anos ainda destaca o seu fanatismo pelo clube, que foi campeão da Copa do Nordeste 2018 e atualmente disputa a série B do Brasileirão:

Eu sou torcedor organizado e sócio do clube. Já viajei alguns estados acompanhando o Sampaio. Torcedor fanático, hoje, além de saber tudo sobre seu clube e o futebol, ele busca o conhecimento sobre finanças, bastidores, o dia-a-dia do clube, se preocupa além do âmbito esportivo.”

Para buscar números mais próximos da realidade da Bahia e do nordeste, aplicamos uma simples questão em quatro grupos no Facebook: Qual time de futebol você torce?

A pergunta ficou no ar entre os dias 05 e 12 de maio de 2018, em dois grupos do nordeste e dois apenas de municípios baianos, sendo eles: Nordeste Discute Futebol (42.917 membros), Futebol Nordestino (14.080 membros), Bom Negócio Vitória da Conquista (134.133 membros) e Cachoeira – BA Oficial (15.615 membros). Na galeria de infográficos a seguir você pode conferir quais foram os times mais votados:

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Enquete ficou disponível nos grupos por sete dias, e contou com a participação geral de 244 pessoas.

Há três situações acima que merecem ser destacadas:

  1. Nos dois grupos focados em futebol (Nordeste Discute Futebol e Futebol Nordestino), a presença de clubes da própria região superam a de equipes do sudeste;
  2. No grupo Cachoeira-BA Oficial a dupla Bahia e Vitória dominam os votos. A hipótese que podemos defender é a de que, com a proximidade de Cachoeira com a capital Salvador (110 km), é mais comum encontrarmos torcedores dos dois times, já que, por exemplo, as transmissões de futebol de TV aberta para o município é da afiliada da Rede Globo, a Rede Bahia, que privilegia a suas coberturas para a capital.
  3. Já no grupo Bom Negócio Vitória da Conquista a situação é totalmente diferente. Aqui, das oito equipes mais votadas, sete são do sudeste, e com Flamengo e Corinthians no topo dos votos. O Bahia é a única equipe do estado que foi citada, com apenas 3,57%.  É possível imaginar que a distância entre a cidade do sudoeste baiano e Salvador (520 km) é um dos fatores que colaboram para os moradores de lá se renderem a equipes do eixo Rio-SP.

O que pode causar essa influência?

Como citado anteriormente, a Rede Bahia é a afiliada da Globo no estado, localizada em Salvador. A emissora possui uma programação que reserva espaço para noticiários locais, estaduais e claro, nacionais. O principal programa esportivo da empresa, o Globo Esporte, possui a sua versão baiana, exibida de segunda à sábado, das 12h55 às 13h20.

Durante o programa sempre é destacado o desempenho e a preparação para os jogos tanto do Bahia quanto do Vitória, e em segundo plano, é noticiado assuntos de outros de outras equipes e esportes.

Mas embora há essa preocupação em fazer a cobertura dos dois principais times de futebol do estado, o espaço reservado às transmissões ao vivo dos jogos seguem um cronograma estabelecido pela sede, e que na maioria das vezes privilegiam exibições de equipes cariocas e/ou paulistas.

(Procuramos a grade de programação da Rede Bahia com o objetivo de mostrar um recorte das últimas transmissões de futebol pela emissora, mas a informação encontra-se indisponível no site).

O cachoeirano Samir Suzart, 37, é torcedor do Vasco há cerca de 25 anos. Apesar de sua paixão pelo clube começar quando conheceu a camisa do time, ele acredita que a mídia possui um papel essencial para que moradores do interior do país torçam para equipes do sudeste:

Antigamente você não tinha rádios repetidoras que transmitissem jogos de Bahia e Vitória. Então era muito quem morava em Salvador que torcia pra esses dois times. O pessoal do interior tinha que acompanhar Rádio Globo (por exemplo). Então eu acho que isso muito se deve aos times grandes do Rio ter essa grande torcida no nordeste.”

Samir não se mostra muito fanático pelo esporte. Aliás, ele define que “Gosta mais do Vasco do que do próprio futebol”. Seu fascínio pelo cruz-maltino se deu ainda na infância, quando viu o uniforme do time em um adesivo de uma peça de futebol de botão. “Quando eu vi a camiseta do Vasco eu fiquei encantado. Eu acho que uma das camisas mais bonitas do futebol mundial”, argumentou.

Paixão é isso. Você não escolhe por quem se apaixona. Acontece.

Samir Suzart

A jornalista Cristiana Menezes vive uma situação semelhante à de Samir. Natural do distrito de Coqueiros, Maragogipe-BA, a jovem começou a torcer para o Corinthians, desde o auge do ex-jogador Marcelinho Carioca, mas afirma que, hoje em dia, também tem o Bahia como time de paixão.

Eu comecei a torcer pro Corinthians a partir de uma vizinha que é corintiana. Eu costumava ir pra casa dela assistir os jogos, era uma época que o time estava no auge, e foi alí que eu comecei a torcer. E por estar presente dentro de casa com um torcedor do Bahia (irmão) e ouvindo sempre na rádio os jogos de futebol, eu aprendi a torcer pro Bahia.”

Cristiana representa uma parcela da população que demonstra seu amor por um time local, mas que não abre a mão de torcer pra uma equipe de mais prestígio, que disputa pelo título das mais importantes competições, geralmente clubes do Rio de Janeiro ou São Paulo.

Cristiana Menezes.
Foto: Rodrigo de Azevedo

Talvez se a gente não tivesse em casa um pai ou um irmão mais velho que torcesse pro Bahia ou pro Vitória, a gente só torcesse pra um time do sudeste, por causa mesmo da televisão. Crescendo e assistindo jogos dos times do sudeste.”

Mas o papel da mídia pode ser tão decisivo para a escolha das equipes que o público torce, que além do Bahia e Corinthians, Cristiana se diz mais fanática ainda pelo clube espanhol Real Madrid.

Porém, não é apenas pelo simples fato de que há alguns anos as transmissões europeias, como a Liga dos Campeões, ganharam espaço na transmissão e cobertura das emissoras. Mas também a presença de grandes jogadores e o alto poder de competitividade destas equipes, capazes de figurarem no auge por longas temporadas.

E quem torce para times locais?

Embora vivam em um contexto no qual estão sujeitos a serem influenciados por meios externos, os torcedores de times do próprio estado e/ou cidade ainda se mostram fanáticos e demonstram seu amor independente da divisão que o clube estiver disputando.

Priscila, à direita, ao lado de uma amiga durante uma partida do Fortaleza.
Foto: Arquivo pessoal

É o caso da costureira Priscila Leão, 34, que tem como equipe do coração o Fortaleza. Apesar de ter nascido em Guarulhos-SP, ela mora no Ceará há 30 anos. Torcedora apenas do tricolor, ela revela que já abriu mão de várias coisas para acompanhar jogos do time, como deixar de prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para não perder a decisão do mata-mata da série C:

Naquele momento o Fortaleza era mais importante que qualquer coisa. Para muitos isso é besteira, mas para quem é torcedor. E o pior, foram 2 jogos horríveis para nós tricolores. Se nesses dois anos eu tivesse optado pelo Enem, de nada ia servir mesmo, pois minha cabeça iria estar nos jogos.”

Priscila declara que costumava frequentar mais o estádio. Mas, hoje em dia, demonstra seu amor pelo time usando camisas e debatendo assuntos da rotina do clube.

Os seus filhos também torcem para o Fortaleza. A diferença é que a menina torce simultaneamente para o São Paulo, e o menino para o Internacional.  E assim como os outros entrevistados, ela atribui essas escolhas a um jogador que se destaca ou a própria TV. “Mesmo tendo um representante do nosso estado na primeira divisão, mesmo assim os jogos transmitidos são os do Rio e SP”, finalizou.

Já Marvin Pereira, 23, morador de Conceição da Feira-BA, é torcedor do tricolor baiano desde a infância. Cercado por uma família de torcedores do Bahia, ele acabou sendo mais um a apoiar e vibrar pelo time enquanto acompanhava as partidas. 

Marvin Pereira representa uma parcela da população do interior que torce apenas para alguma equipe do estado onde vive.
Foto: Rodrigo de Azevedo

Apegado ao seu círculo de parentes, Marvin revela que a paixão que seus familiares sentem pelo Bahia foi o principal fator que o influenciou a se render ao time.

 

“Eu não sou muito ligado em futebol. Agora, se tem um jogo do Bahia eu gosto muito de acompanhar. Principalmente se eu tiver com minha família.  Especialmente minha mãe”, comentou.

Em uma situação que o Bahia havia sido campeão estadual, Marvin relembra que sua mãe saiu de maneira eufórica para uma carreata em comemoração ao título. E enquanto o grupo passava em frente a uma igreja, ele a viu gritando: “Pode fazer barulho que o pastor é Bahia. Eu tenho certeza que o pastor é Bahia. Bora Bahêaa!”

Assista trechos das entrevistas coletadas:

 

Produto realizado para a disciplina Jornalismo Esportivo, do curso de Comunicação Social-Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), no semestre 2018.1. Agradecimento especial a todos os entrevistados citados anteriormente, tanto no texto quanto em vídeo.

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