As paredes são as mesmas: as barreiras enfrentadas pelos alunos com deficiência no CAHL

Lá fora é difícil. As calçadas são tortas, as pessoas não ajudam, observam com maus olhos e nem se quer um bom dia. Quando chegam naquele que seria o mundo ideal ou mais receptivo, enfrentam as mesmas dificuldades, os mesmos entraves, barreiras que descobrem não ter sido quebradas. Não pela falta de vontade deles.

Assim como tantas outras universidades do nosso país, o Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), apresenta uma estrutura quase inacessível para os estudantes com algum tipo de deficiência. Falta de rampas, bebedouros em altura incorreta, elevadores que não funcionam e ausência de professores para a língua brasileira de sinais são exemplos desses entraves que atrapalham a rotina diária dessas pessoas.

No áudio, você escuta as vozes de Giselli Oliveira (egressa da universidade) , Igor Figueiredo (graduando de Artes Visuais) e Jorge Cardoso (diretor do CAHL).

Igor Figueiredo, 22, estudante do 6º semestre de Artes Visuais e com paraplegia desde o nascimento, imaginava a universidade como um espaço sem muitas dificuldades, onde a acessibilidade, por exemplo, fosse basilar. Mas, na prática, percebeu quantas problemáticas fazem parte do processo. “Eu imaginava um espaço que ia me proporcionar chegar ao objetivo de vida, na questão profissional. Que me desse acesso a todos os espaços sem dificuldades em todos os sentidos. Quando cheguei aqui, vi que teria algumas dificuldades. No segundo dia de aula tive que usar o elevador para fazer a matricula e foi a única vez que o vi funcionando. Sou sexto semestre, estou aqui desde 2014 e, desde então, nunca mais vi funcionar.”

“Quando eu ingressei no CAHL eu pensei que a acessibilidade seria plena, mas na verdade não foi nada disso. Os mesmos problemas que eu tinha em outros prédios ou na cidade, eu encontrei aqui no CAHL”, pontuou Giselli Oliveira,34, egressa do curso de Ciências Sociais e cadeirante desde os 16 anos, quando sofreu um acidente de carro.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), com dados de 2011, existem mais de 1 bilhão de pessoas com algum tipo de deficiência. Isso significa 1 a cada 7 pessoas no mundo. Dessas, 80% estão em países em desenvolvimento. De acordo com o senso 2010 do IBGE; 23,92% da população brasileira possui algum tipo de deficiência.

O relatório da Organização Mundial de Saúde destaca também que crianças com deficiência tem menos chances de entrar na escola.  Ainda de acordo com a OMS, poucos países, nos últimos anos, implementaram mecanismos que conseguissem quebrar as barreiras cotidianas.

A última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada pelo Instituto IBGE em parceria com o Ministério da Educação, 7,2% da população com 14 anos ou mais apresenta algum tipo de deficiência (auditiva, visual, física e intelectual), e esse número reflete na educação. Segundo o Censo 2010 realizado pelo IBGE, a taxa de alfabetização dos portadores de necessidades especiais acima dos 15 anos é 80% menor que as pessoas da mesma faixa etária sem deficiência.

Apesar disso, segundo o Ministério da Educação (MEC), a quantidade de estudantes com deficiência matriculados no ensino superior era de 2.173 no ano 2000 e em 2010 esse número para 20.287. Esses dados significam um avanço de 933,6%.

Em 2016, foi sancionada no Brasil a Lei 13.409/2016 que inclui no programa de cotas das instituições federais de educação superior as pessoas com deficiência. A porcentagem de pessoas incluídas nas cotas é proporcional à população de deficientes no país.

Medidas como o ‘Programa Incluir: acessibilidade na educação superior’ ,do MEC, propõem ações que garantam acesso pleno das pessoas com deficiências nas instituições federais de ensino superior, como o fomento de criação e consolidação de núcleos de acessibilidade.

Em contrapartida, essas medidas e números ainda estão longe de surtir efeito no dia-a-dia do Centro de Artes, Humanidades e Letras.

 

A ROTINA

Mesmo sendo presença constante na universidade, Giselli ainda se sente invisível no CAHL. (Foto: Marcus Maia)

Quando era estudante do CAHL, Giselli lutou pelo seu espaço e cobrou reconhecimento e igualdade na jornada de estudos. Esteve a frente de manifestações na tentativa de mudar uma realidade ainda vigente.

Quando esse prédio inaugurou não existia elevador, eu sou uma das fundadoras do Núcleo de negros e negras de estudantes aqui do CAHL. E esse núcleo tomou a frente disso. Nós paralisamos o CAHL durante um dia, fechamos todas as subidas e as pessoas só poderiam circular onde os cadeirantes podiam circular, mostrar as dificuldades. Quando eu estudava aqui (CAHL) o elevador vivia mais quebrado do que funcionando. É mais uma maquiagem para dizer que tem elevador.  É dever da universidade oferecer acessibilidade, mas não oferece. É mais uma maquiagem”.

Ela ainda frequenta o centro, pensa em concorrer ao mestrado de Ciências Sociais deste ano. Entre uma reunião e outra, a cientista social relembra momentos difíceis que passou e compartilha a sensação de inércia da universidade para com os alunos. “Já teve mal-estar entre mim e o professor porque ele queria passar o filme em um andar superior que não teria acesso e queria me dar o filme para assistir em casa. Eu disse que não, que eu tinha os mesmos direitos dos meus colegas”.

“Todo semestre eu tinha que recorrer ao meu coordenador do curso para dizer quais as matérias eu pegaria para as salas no térreo. Esse trabalho deveria ser feito pela universidade e eu que tinha que correr atrás da questão. Já lutei tanto, fiz tanto abaixo assinado. O tempo vai passando e parece que está estacionado no mesmo lugar. Nada muda.” disse Giselli Oliveira.

 

Com tantos degraus, poucas rampas e elevadores parados, Igor junta esforços para conseguir driblar as barreiras presentes na universidade. (Foto: Marcus Maia)

Morador de Conceição da Feira, cidade do Recôncavo Baiano, Igor Figueiredo utiliza todos os dias ônibus em direção à universidade. Estudante do turno noturno,  encontra constantes dificuldades nos corredores do campus.

Tem rampa, os banheiros são adaptados, mas a maior falha da universidade são as escadas. Têm os elevadores, mas não funcionam da maneira como deveriam. Às vezes você está cansado e que usar o elevador, principalmente porque tem um terceiro andar e questões mais burocráticas, como as referentes à de matricula só podem ser feitas lá. Com o elevador seria melhor. Seria perfeito”.

No CAHL desde 2014, Igor afirma que não sentiu preconceito ou discriminação na universidade, mas pontua que a falta de acessibilidade pode ser um entrave para o ingresso de novos alunos ou para permanência desses. “Precisa de mais elevadores, de mais rampas de acesso. Em aula nunca vi braile ou Língua Brasileira de Sinais. Eu cheguei aqui e me adaptei com as dificuldades, mas têm pessoas que não vão conseguir se adaptar a essas coisas e vão desistir. Então é menos um. Seria muito importante a autonomia de estudar, buscar se profissionalizar, ter um curso superior. Então se a universidade barra isso, com a sua estrutura, é muito complicado”.

 

A DIREÇÃO

Segundo o diretor do CAHL, Jorge Cardoso, o centro cumpre a lei quando o assunto é ter mecanismos disponíveis, mas, afirma, que não consegue dar conta da legislação por conta da falta de manutenção desses equipamentos. “O CAHL tem uma estrutura para as pessoas com dificuldades de locomoção, tanto um elevador especifico, quanto uma espécie de rampa de acesso. Em termos de cumprir a lei, ele tem os mecanismos disponíveis. O grande problema é que esses mecanismos disponíveis não têm manutenção. Embora o CAHL tenha condições de atender a legislação, ele não atende totalmente por conta dessa falta de contrato de manutenção”.

Quando questionada sobre professores de Libras, carteiras para deficientes físicos, pisos táteis e sistema braile, a direção afirmou que não existe uma prazo para atendimento por conta da situação econômica atual. “Eu não tenho perspectiva para dar, sobretudo porque a questão orçamentaria na universidade tem sido muito constrangedora para que a gente utilize a manutenção predial. Tem muitos espaços no centro que não estão bem iluminados porque falta comprar lâmpada. Então, infelizmente prazo para dar sobre isso eu não tenho como fornecer”, pontuou Jorge.

Sobre os elevadores parados, o diretor afirma que está em negociação com uma empresa de manutenção. “Há uma licitação que foi aberta de uma nova empresa de manutenção de elevadores no inicio do ano, em janeiro. A previsão é que esse contrato seja celebrado ainda este ano e a gente volte a ter a manutenção dos elevadores do centro”.

Enquanto o Centro de Artes, Humanidades e Letras aguarda a confirmação deste contrato, é desconhecido o número de estudantes que seriam beneficiados pela manutenção dos elevadores. A SURRAC( Superintendência de Regulação e Registros Acadêmicos) responsável por regular e atualizar os dados institucionais referentes a graduação e pós graduação da universidade, não sabe ao certo quantos pessoas com deficiência estudam na UFRB.

Segundo o departamento, a ausência desses dados é resultado da transição do antigo portal acadêmico (SAGRES) para o Sistema de Gestão das Atividades Acadêmicas (SIGAA).

 

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