A academia e sua hostilidade com mulheres negras

Giovanna Ramos

“Se forme e venha dar aula”. Essa é a frase que Jaqueline Ferreira, estudante de Comunicação Social- Jornalismo da UFRB, escuta de muitos professores quando questiona a escassez de docentes negras na sala de aula. Aos 19 anos, Jaqueline observa que, quanto mais anos de estudo alcança, menos negras ministram as disciplinas que ela estuda. Apesar da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia ser considerada a universidade mais negra do país, ainda há muito a percorrer.

Jocelina da Silva, em um de seus artigos, se debruça sobre indicadores sociais para analisar a situação da docência no país. Segundo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), dos 63.234 docentes universitários, apenas 251 são negras. Isso representa um total de apenas 0,40%.

Além da dificuldade de ingressar no ensino superior, alunas negras que desejam chegar à docência são constantemente questionadas,  tendo problemas em manter seus lugares de fala respeitados. Jaqueline aponta muitas deficiências no curso de jornalismo quando se trata da equidade de gênero e raça. Segundo a estudante, um dos maiores problemas é a bibliografia da grade curricular. Sendo composta majoritariamente por homens brancos de visão eurocêntrica, grande parte das teorias aprendidas não são aplicadas com eficiência no contexto de uma jornalista do Recôncavo Baiano.

Carolina Pinho, em seu texto para o site Blogueiras negras, aborda a importância da representatividade acadêmica quando afirma que “O aumento de negros e negras na universidade também proporciona que a produção de conhecimentos gerada nos espaços acadêmicos seja através de outra ótica: a ótica do oprimido e não do opressor”. Além do aumento significativo de grupos de pesquisa que abordam temática racial, a inserção de negras na universidade significa, antes de tudo, a abertura de espaços para debates e novos pensamentos sobre machismo, racismo e seus desdobramentos.

Porém, ter oportunidades de apresentar suas linhas de estudo e pesquisa às alunas não deixou de ser uma batalha diária. Jaqueline conta que muitas mulheres são “engolidas pelo sistema”. Isso acontece porque, a partir do momento em que ingressam na universidade, as docentes devem ter como referência uma bibliografia que está pronta e faz parte de um cronograma que não abarca discussões que estão fora do âmbito da academia hegemônica. Esses autores são uma imposição que as docentes têm obrigação de abordar, dificultando a inserção de pesquisas de mulheres no curso.

Mas, não são apenas as professoras que são “engolidas”. Recentemente, repercutiu na mídia o caso da estudante negra Lorrayne Isidoro que foi primeira colocada na IV Olimpíada Brasileira de Neurociências e vai representar o Brasil na olimpíada internacional. O MEC publicou no Facebook uma imagem parabenizando a estudante, o que seria bom, se a assessoria do órgão não compartilhasse uma ilustração que apaga todos os traços de negritude da garota.

Facebook (Socializa o design)

Após ser criticado por vários usuários da rede social e pela página Socializa o Design, o MEC respondeu que “repudia qualquer tentativa de criar falsa polêmica nas redes sociais em detrimento dessa bela história de vida”. Em linguagem de internet, isso pode ser traduzido como “parem de mimimi”.

Apesar do MEC afirmar que a ilustração “é um complemento da matéria e teve o único propósito de fazer uma representação da aluna a partir da fotografia da mesma postada no site da rádio MEC”, e que utiliza esses desenhos em seus posts há bastante tempo, essa atitude de embranquecer negras com grandes feitos é uma forma de enfraquecer a luta de inúmeras mulheres que nunca se veem representadas e, quando finalmente têm a oportunidade de se enxergarem de forma positiva e com destaque a partir de outra mulher, são transformadas em “desenho”.

Quando questionada sobre o futuro, Jaqueline afirma que quer reconhecimento. Mas, numa sociedade em que negras têm seus rostos apagados diante de suas realizações, o que deve ser feito quando somos vítimas de situações racistas e machistas? Segundo a estudante, “Se nos empurrarem para baixo, vão levar processo. É isso mesmo”.

E a luta continua.

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