As guerras não têm endereços, apenas destinatários

Uma breve análise sobre a batalha num contexto pandêmico e a nova guerra que o mundo enfrenta atualmente

Dênia Carneiro

Ao pensar a guerra e a sua cor, deparo-me com tantos nós, um emaranhado de laços e significados. Posso começar pelo boato, ou afirmar que as guerras nascem do medo, que são acompanhadas de rumores e, cá entre nós, os burburinhos sociais de guerra existiram e sempre existirão. Primeiro divulgam os pensamentos daqueles que as provocam ou silenciam as vozes dos que tentam evitá-las. E assim, transformam qualquer motivo em argumento plausível para que elas devam acontecer ou guardemos essa tese para o que poderá ser uma parte de teoria chamada de conspiração. 

A primeira guerra que vou narrar agora é a de uma luta invisível que presenciamos até hoje. Em primeiro plano, no começo, diriam que é a transformação da humanidade, a ressignificação das coisas e dos tempos. Nela lutamos contra o desconhecido que inicialmente nos comoveu com a luta de pessoas distantes. E, ao acompanhar a expansão do inimigo, nossa razão não admitiu que poderia chegar até nós. Mas o inimigo chegou e aos poucos os números se tornaram pessoas, histórias, mortes, mortos. Os dias ficam cinzas e preocupantes até se tornarem rotinas dramáticas.

Enquanto a verdade e a mentira se confundiam e o que não era compreendido causava medo, ficávamos trancados em nossas casas, lutando somente pelo essencial para continuar a viver.  Então, o inimigo assim chegou até nós, com força e devastando, alcançou nosso vizinho, colega, familiar, e uma das nossas armas eram as máscaras, caro amigo. Não as que usamos para desqualificar alguém, mas as reais que usamos como aliadas nesse campo de batalha.

Em hospitais, são usadas como aliadas, e a linha de frente eram os profissionais envolvidos, lutando contra um vírus que ainda se mantém entre nós – embora menos letal – e que tentamos vencer aos poucos. A tecnologia foi se transformando cada vez mais em instrumento de presença, como uma ponte da união. As câmeras se tornaram nossos olhares mais próximos e as palavras foram lançadas por trás dos tecidos de proteção sob nossas bocas. Fomos embalados sob um ritmo de angústia em nossas casas ao aguardar uma tomada de decisão.

Poderia ser um código ou apenas elemento pesquisado cientificamente, mas o inimigo é um vírus chamado SARS-CoV-2, e permanecemos lutando contra ele. Além disso, como se já não bastasse a dor social travada por conta das mortes dessa guerra, em um outro canto do planeta que habitamos, o ser humano continua a se mostrar pobre e a sociedade assiste uma outra guerra começar.  

Por terra, céu e mar Kiev é atacada, milhões de civis se refugiaram e continuam perdendo suas vidas, e é sobre essa luta que lhes falo agora. A ganância! Oh Céus! Os causadores da trama não se importam com as consequências, o que querem é poder, é vencer. É uma das guerras com letras maiúsculas retratadas nos jornais, revistas e livros. Entre o tempo e as bombas, os tanques destroem as famílias, os sonhos, a vida.

Alberto Caeiro, pseudônimo de Fernando Pessoa retrata uma batalha em “A guerra que aflige com seus esquadrões o Mundo”, como tudo pode ser sobre orgulho e inconsciência:

“Tudo é orgulho e inconsciência.

Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto”.

O orgulho é algo presente entre os paletós e o poder. A inconsciência, por sua vez, é esquecida diante das consequências causadas por uma guerra, não é mesmo? E ainda que usem motivos fúteis como justificativas, sabemos que não possuem valores.

Posso afirmar, que a guerra não tem local, ela é uma mensagem enviada. A guerra, meu caro, é uma carta em papel amarelo com manchas de sangue e suor e as marcas fortes do cansaço, da miséria e da violência e sempre terá endereço.

Ela possui apenas destinatários, jogados ao destino, esperando o início, o gesto, o sim sob a perspectiva do não. E assim, descobrimos que o alvo sou eu e você e será sempre e dia após dia a luta só será vencida ao sobreviver.