Casa Estrela: lugar de afirmação e memórias

A residência azul situada em Cachoeira, Recôncavo da Bahia, na Rua Ana Nery e de número 41 chama atenção pelo atípico detalhe na sua calçada, uma estrela de cinco pontas feita de mármore branco. Diversas pessoas relatam teorias do que seria esse símbolo e o espaço ao qual pertence, mas nem todos sabem que ali foram construídas as primeiras memórias da  Irmandade da Boa Morte na cidade.

Relações religiosas, culturais, comerciais e políticas eram estabelecidas na “Casa Estrela”.
Foto: Karla Souza

As primeiras moradoras foram Dona Júlia, participante da irmandade de Cachoeira, e suas filhas, Julieta Arlinda do Nascimento, conhecida como Santinha e Diocleciana Arlinda do Nascimento, chamada de Tutuzinha. As irmãs não pertenciam à Boa Morte, porém arrumavam as integrantes do grupo que passavam pela casa, fazendo os plissados nas saias e arrumando também os torços, colares, toalhinhas e biocos.

Eram produzidos no local doces como bolachas de goma, bom bocado, panã e manoel de ovos, e outras mulheres revendiam esses doces em seus tabuleiros que ficavam espalhados em vários pontos de Cachoeira, gerando o sustento das vendedoras e das doceiras.

As filhas de D. Júlia tiveram a ideia de ornamentar o passeio público para que não ficasse muito simples. Em homenagem e devoção aos três reis magos, no dia 5 de janeiro de 1957, foi colocada a primeira estrela, no entanto, quando as outras duas seriam aplicadas, o cimento já havia endurecido, e por isso o espaço é chamada de “Casa Estrela”.

Os sinais de degradação do ornamento são bastante visíveis.
Foto: Karla Souza

CASA ESTRELA NOS DIAS ATUAIS

Moradora da “Casa Estrela” desde os primeiros dias de vida, Regina Graça Onofre Santos, 61 anos, aposentada, é a atual proprietária do imóvel. Sobrinha-neta de Santinha e Tutuzinha, Regina vive na casa com seu marido e seus filhos, no total são seis pessoas. Recorrentemente ela descreve o modo que se relacionava com as irmãs que ali constantemente passavam, do convívio com as intimidades das donas da casa, e também da morte de Santinha, no ano de 1969, segundo Regina, a causa seria um derrame cerebral  ocorrido quando Santinha ouvia a missa no rádio.

Após a morte de Santinha e adoecimento de Tutuzinha, as irmãs da Boa Morte deixaram de frequentar a casa com intensidade. Elas costumam irem a “Casa Estrela” oito dias antes do início da festa, é quando se dar o rito da “esmola geral”, em que as irmãs saem às ruas da cidade  para pedir doações aos moradores e comerciantes para ajudar na realização da festa da Irmandade da Boa Morte. “ Todas elas entram, faz uma reverência na sala de jantar, a esmola geral começa aqui da porta” como explica Regina. Outro momento em que as irmãs homenageiam a casa se dá nos dias de festa, quando no momento da procissão elas param em frente a porta.” No dia da festa, todos os três dias. No dia da missa das irmãs falecidas elas param na porta, no dia da Boa Morte elas param, no dia da Glória também. Eu gosto de abrir as janelas e a porta nos dias do cortejo” ressalta Regina.

A proprietária da casa  também relata sobre as dificuldades que encontra para poder reformar o imóvel. Mesmo não possuindo tombamento individual, a  “Casa Estrela” compõe o conjunto arquitetônico da cidade, tombado pelo  Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Nacional (IPHAN) em 1971, quando foi concedido à Cachoeira o título de “Monumento Nacional”.  “Eu preciso fazer a reforma, mas as janelas são caríssimas. São quatro janelas, e eu preciso seguir o padrão pra faixada continuar a mesma”, conta Regina. Outro ponto citado pela moradora é o da degradação constante da estrela que está fixada na calçada. “ Os carros passam por cima da calçada, principalmente na época do São João quando caminhões quebram o passeio e a própria estrela”, diz Regina.

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