Festa da Boa Morte: Ligação entre a Igreja Católica e a Irmandade

Nós temos muita tranquilidade de poder celebrar com elas essa festividade dentro do respeito, dessa comunhão que deve haver entre os filhos de Deus, Deus que glorificou Maria e há de glorificar todos os seus filhos”, Diácono Alan Bacelar.

Uma das características mais marcantes da população cachoeirana é a religiosidade. A Festa da Irmandade da Boa Morte, realizada no mês de agosto em Cachoeira-Ba é umas das tradições culturais, religiosas e turísticas da cidade, atraindo pessoas de vários lugares do mundo.

A Irmandade refere-se a um grupo formado por mulheres negras que descendem e representam a ancestralidade dos povos africanos escravizados, e libertos, no Recôncavo da Bahia. Essa festa se caracteriza pela Devoção a Nossa Senhora da Boa Morte, da Assunção ou da Glória. “Elas são um grupo de mulheres religiosas católicas com um duplo pertencimento, mulheres que veneram o santo católico, mas que na verdade também veneram orixás e esse duplo pertencimento é o resultado do grito da liberdade de expressão religiosa dada por elas”, explica Valmir Pereira, Administrador do Centro Cultural da Boa Morte.

Maria Luiza Junior, fiel do candomblé, diz que a Igreja Católica rejeitou muito o grupo da Boa Morte que era ligado ao Candomblé na Barroquinha em Salvador. Em 1980, a Igreja Católica buscava forma de controle das Irmandades por causa das suas intervenções. Para ela isso se deve ao preconceito que as outras religiões têm com as religiões de matrizes africanas, “a Igreja Católica tem até ficado mais quieta, principalmente depois que o Papa Francisco entrou. Agora o grande problema são os neopentecostais, pois se a gente analisar friamente vê que o propósito deles não é religioso e sim político, porque eles não aceitam que o negro sobreviveu à escravidão e sobrevive ao preconceito institucional”.

A fiel que estava na Missa da Assunção de Maria acredita que para quem é do Candomblé “a festa não acontece aqui, a festa mesmo é lá no terreiro, a reverencia e tal, aqui é essa coisa do Catolicismo que é com imagens, mas na festa invocam o espirito, os orixás é essa a diferença”, disse.

A Boa Morte representa para quem está vivo essa possibilidade de redenção e remissão após a morte, que busca reverenciar pessoas que já morreram e além de servir como uma preparação para a morte, “pedir a Boa Morte é um significado, eu já sei que ela vai chegar e estou me preparando para ela”, para Maria Luiza Junior, esse é o significado da festa.

O Diácono Alan Bacelar assegura que a Irmandade é uma organização da Igreja Católica e ela é a devoção a Maria, cultuada na religião Católica. Portanto, não é que a igreja não aceitava a irmandade, mas houve um momento de conflito, onde a Igreja não pode celebrar algo que não está em comunhão, “então se a Irmandade é uma organização da Igreja Católica, no momento em que rompe uma comunhão, existe uma advertência”.

Após os momentos de repressão e preconceito que o grupo da Irmandade sofreu no passado, em que as pessoas viam na Irmandade um grupo vinculado ao mal e as práticas religiosas africanas, hoje é vista como patrimônio cultural e religioso da cidade e continua nessa luta de seguir e repetir o que suas antecessoras começaram e estabelecem novas ligações com a modernidade sem a descaracterização de suas práticas. Valmir Pereira, fala um pouco sobre essa ligação da Igreja Católica com o Candomblé.

CELEBRAÇÃO E A FÉ

No primeiro dia da Festa da Boa Morte acontece uma missa em Ação de Graças pelas irmãs falecidas e pela Morte de Nossa Senhora, logo após acontece uma procissão pelas principais ruas da cidade de Cachoeira. O segundo dia acontece a Missa de Corpo Presente, logo após a missa, mais uma procissão sai pelas principais ruas, seguida da filarmônica e do povo. No terceiro dia, festeja a Assunção de Maria, fenômeno da transcendência, da elevação espiritual de Nossa Senhora, confirmação que Esta subiu aos Céus e mais uma procissão é realizada. É o início da Festa profana e não mais um momento de luto.

Dona Dalva Damiana de Freitas, 90 anos, tem contato com a Irmandade desde criança, quando sua avó, que também era irmã, a levava para os encontros. Ela conta que já foi escrivã, tesoureira e provedora da Irmandade e a sede da irmandade oferece oficinas para as crianças aprenderem a tocar percussão, instrumento de corda e aprenderem a respeitar os demais.

A devoção, a fé, as crenças e a dupla-pertença religiosa são características fundamentais no que se refere às doutrinas estabelecidas pelas Irmãs da Boa Morte. Essa dupla-pertença não é necessariamente ter relação no catolicismo ou candomblé, mas sim, pertencer a duas religiões, quaisquer que sejam o importante é a dedicação, o respeito e a fé. “A fé é amor, ter fé é não desejar mal a outras pessoas, pedir a Deus por si e por todos, porque a gente não pode querer justiça para si e ruína para os outros, a fé é a que move montanhas, é a conquista da gente”, defende Dona Dalva Damiana, Irmã da Boa Morte.

Maria Luiza Junior, fiel do candomblé, relatou “fé é eu aceitar de onde eu vim, quem é que eu sou e conviver em harmonia com o que estão a minha volta e saber que existe um poder superior que é a oração”.

“Eu acredito que não temos uma fé própria, nós herdamos uma fé. A fé que recebi é a mesma que herdei da minha avó, assim como ela herdou de outros e outros. Acreditamos em Jesus porque outros primeiro acreditaram, isso acontece com outros seguimentos religiosos também”, afirmou o Diácono Alan Bacelar. Ele ainda contou que as pessoas acham que fé é uma emoção, mas esse pensamento é infantil.  “Fé é muito mais do que sentimento, é adesão. E se eu faço esta adesão é porque eu fiz uma experiência e essa experiência mudou minha vida e com isso, busquei aprofundar esta fé no que acredito”, disse. O Diácono esclareceu que por isso muitas vezes as pessoas mudam de igreja, mudam de religião, porque podem passar a não acredita naquilo que herdaram.

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Foto da capa: Camilla Souza.

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