Com 70% da renda afetada, Jhessy Coutinho resiste durante a pandemia

Cenário econômico que artistas enfrentam desde março de 2020 tem prejudicado atividades

Mhayla Guimarães

A baiana professora de arte Jhessy Coutinho exercendo seu ofício no teatro (Foto: Gugue Martinez – 2018)

Jhessy Coutinho é artista da cidade de Valença, no Baixo Sul da Bahia. Com 37 anos de idade, sendo 21 de carreira, sobrevive do ramo da arte como mulher negra lésbica e faz questão de enfatizar o espaço que ocupa por onde vai. Ela é atriz, diretora, técnica em Artes Cênicas, projetista, agente e produtora cultural. Atualmente, é professora de Educação de Pessoas Jovens, Adultas e Idosos, a EPJAI.

“Eu vivo exclusivamente da arte. Sou professora de arte, especificamente o teatro. Sou projetista, através dos projetos culturais também tenho renda, mas é uma concorrência danada! Dou aulas de ciências e história para completar carga horária porque viver de arte não está sendo suficiente, infelizmente”, afirmou a artista que durante este um ano e 7 meses de pandemia, utiliza sua única fonte de renda para pagar basicamente contas de água, energia, despesas da casa, remédios de uso contínuo, e obviamente, a internet para dar aulas virtualmente.

Uma inquietação levantada aqui é o porquê de Jhessy Coutinho estar financeiramente instável. É de se notar que a pandemia só evidenciou e agravou problemas que trabalhadores da cultura sempre vivenciaram. É justamente o que a doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Lia Calabre, trata no seu artigo “A arte e a cultura em tempos de pandemia: os vários vírus que nos assolam”, publicado na revista Extraprensa em 2020. De acordo com seus estudos, existem vários problemas no reconhecimento do valor do fazer artístico pela sociedade em geral, além de um contínuo aumento no processo de precarização das formas de trabalho nesse campo. “Há, ainda, o problema da má regulação sobre a arrecadação dos direitos autoriais nas mais variadas formas do fazer artístico. Tudo isso faz com que somente uma pequena parte dos artistas consiga sobreviver exclusivamente do seu trabalho”, afirmou a pesquisadora.

Distanciamento social

 A mudança de cenário refletiu no cotidiano de quem dependia da arte como meio de sobrevivência. A vida que Jhessy Coutinho e muitos outros artistas que vem se reinventando, trabalhando em casa desde março de 2020, faz parte de determinado grupo dos quase 3% da força de trabalho que são de pessoas ocupadas e afastadas devido ao distanciamento social no país, segundo dados do ano de 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A professora de arte está dando aulas remotas por causa da pandemia (Foto: Arquivo pessoal de Jhessy Coutinho – 2021)

O dinheiro com o qual Jhessy Coutinho paga suas contas vem do seu trabalho como professora. Você já imaginou como deve ser complicado ensinar arte virtualmente? Os profissionais estão tentando criar conteúdos mais leves e, geralmente, só com assuntos mais teóricos, gerando mais desgastes psicológicos. Também há o corpo discente enfrentando a inacessibilidade à internet, já que são 4,3 milhões de estudantes brasileiros inviabilizados do acesso de acordo com o IBGE em 2019. Além disso, os espaços físicos, as novas salas de aula em suas residências, privam os alunos da totalidade que as aulas presenciais permitem.

“A arte é movimento e o aluno não tem espaço. O corpo na arte precisa de privacidade e o aluno não tem, enfim: o público (jovens, adultos e idosos) que atendo não me permite ministrar aulas de arte propriamente dita em questão de prática, assim fico mais na teoria mesmo”, contou Jhessy Coutinho.

Seguindo a linha de raciocínio da arte necessitar se reelaborar no novo cenário pandêmico, foi sancionado o Projeto de Lei n° 1075, de 2020 em 29 de junho, mais conhecido como a Lei Aldir Blanc. Um dos seus objetivos é incentivar a realização de atividades culturais, se possibilitadas, pela internet. De acordo com o site do Senado Federal, a atividade legislativa, em sua ementa: “Dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020; e dá outras providências.”. Dentre os R$ 3 bilhões repassados aos governos estaduais e municipais, está o custeio de renda emergencial para os trabalhadores da cultura de três parcelas de R$ 600 no ano passado e mais três parcelas este ano, devido ao prazo que se foi estendido do auxílio até dezembro, segundo o site da Câmara dos Deputados.

A LAB não é uma política pública fixa, ela é emergencial. Mesmo tendo contemplado –  e ainda contempla muitos artistas, como Jhessy Coutinho, o PL também é excludente porque precisa de pré-requisitos básicos para concorrer ao auxílio. O artista deve ter atuação social ou profissional nas áreas artística e cultural, no mínimo, há 24 meses; deve ter a renda familiar mensal de até meio salário mínimo ou total de até 3 salários mínimos; não receber outro auxílio, desde que não seja o Bolsa Família; e não pode ter emprego formal de acordo com o site do Correio em 15 de setembro de 2020.

Para Jhessy Coutinho, apesar de toda sua importância, a LAB tem muitos ruídos e brechas que exclui uma grande parte dos artistas que não tem noção ou conhecimentos básicos de como escrever um projeto, por exemplo.

“Os órgãos que administram e elaboram os editais criam uma disputa desnecessária e acaba deixando de fora os mais necessitados, visto que esses não têm apoio ou não sabem mesmo como apresentar, detalhar seu serviço artístico em forma de escrita”, disse ela.

A artista acredita também que até as políticas públicas fixas como as do Fundo Cultural da Bahia, por exemplo, não são eficientes e eficazes o suficiente para atender a população artística.

De 2019 até aqui, a cultura vem sofrendo desmontes no atual governo. O primeiro passo foi a mudança da Lei de Incentivo à Cultura – antiga Lei Rouanet. Uma de suas novas regras é a redução de teto dos valores financiados aos projetos culturais de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão conforme informações do site da Agência Brasil em 2019. Segundo Lia Calabre, essa sempre foi a intenção do governo de Bolsonaro. “Veja, o que o governo fez não foi isso, em verdade foi pior, ele foi bloqueando os mecanismos, desarticulando as instâncias de decisão, procedendo a julgamentos parciais, com declaradas perseguições ideológicas, tudo o que a legislação procurava impedir. Agora o Ministério Público tem que se posicionar contra os desmandos do Presidente”, disse a autora.

Se você chegou até aqui, possivelmente está pensando o que vai ser dos artistas, sendo que a pandemia ainda nem acabou. “O problema econômico é muito delicado e sério, afetou o setor em todo o mundo, e, aqui, de maneira mais especial pelo desprezo que o governo federal nutre pela área (da cultura)”, afirmou Lia Calabre.

Mesmo com as dificuldades de produzir em casa sem recursos cênicos, de iluminação, sonoplastia, cenário e outros referentes ao fazer arte, Jhessy Coutinho persevera quanto ao pós-pandemia. Para a artista “nós sempre fizemos e faremos arte. Não será fácil depois da pandemia, mas com todo aprendizado adquirido durante ela, produziremos, creio eu, em grande escala”, relatou.

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