Das redes às ruas

Jovens microempreendedores impulsionam negócios pela internet e abrem espaços físicos durante a pandemia

Bárbara Lima

A empreendedora Luryan Eugênio, 26 anos, abriu uma hamburgueria em Seabra, na Chapada Diamantina (Foto de Bárbara Lima)

Durante este período de pandemia diversos países vivenciaram e vivenciam crises, desde sanitária, social e principalmente financeira. Segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 27 de maio de 2021 por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), atualmente existem 14,761 milhões de trabalhadores desempregados no Brasil, a maior taxa desde 2012, índice que se torna histórico e assustador. Ao mesmo tempo, a abertura de pequenas empresas bateu recorde neste primeiro semestre de 2021, quando foram abertos 2,1 milhões de negócios, segundo levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

São diversas as formas de se reinventar para que no final do mês as contas e os boletos sejam pagos. Muitas pessoas viram a oportunidade de empreender nesses tempos atravessados pela pandemia. Esse é o caso de Luryan Eugênio de Souza e Anderson Rodrigues, jovens e microempreendedores das periferias de Seabra, na Chapada Diamantina que, mesmo neste ciclo tão difícil, ultrapassaram as redes virtuais e hoje estão com seus negócios abertos em espaços físicos.

Você conhece mulheres com superpoderes da vida real? Luryan Eugênio é uma delas, professora, empreendedora, mãe e sobretudo uma “super mulher”.

Graduada em letras vernáculas com habilitação em língua portuguesa pela UNEB, Luryan Eugênio, 26 anos, nasceu em Brasília, mas se mudou para Seabra com 2 anos de idade, moradora do bairro da Pedra Preta, resolveu se arriscar para ter seu próprio negócio e reconhece que o caminho se torna maior por ser mulher.

“Cada vez que um homem avança um degrau você têm que avançar dois, três, eu acho que ao mesmo tempo que você tem um degrau abaixo quando você tem uma mulher que é empreendedora você também se torna uma referência mais ainda, eu percebo muito isso.”

Renda extra

Tudo começou em 2016 quando Luryan decidiu aceitar o desafio do seu companheiro em buscar uma forma de renda extra. O primeiro local para essa experiência foi a cozinha do bar de seu pai, o “Skina lanches” com hambúrguer processado. “Era só eu e ele, a gente comprou uma chapa de uma amiga minha que tinha uma lanchonete e fechou, não tinha ainda esse ideia de delivery como a gente tem hoje… eu fazia as entregas andando”, contou a microempreendedora.

O público até então era o pessoal que frequentava o bar e a sua vizinhança, por esse motivo, Luryan sempre tinha muita atenção e cuidado em relação aos preços dos lanches, pois tinha que ser acessível para seu público consumir. Nessa época o uso das redes sociais para a divulgação do empreendimento era inexistente, o popular “boca a boca” era o principal meio de divulgação, depois da aprovação inicial, decidiram mudar de local e ai veio o “Burguer Beer – Rock Bar”, situado no estúdio de tatuagem do seu cunhado, nesse período o hambúrguer produzido era totalmente artesanal. Para a professora, o apoio de amigos/as e da família sempre foi presente, “a galera sempre colava e fortalecia”.

Ao perceber que o projeto estava dando certo, decidiram então ir para um espaço maior, mas as contas não estavam fechando. “A gente percebeu que estava pagando pra trabalhar, trocando moeda, trabalhando e pagando aluguel…várias vezes eu já cheguei de tirar do meu salário da escola pra pagar coisas do negócio, a gente tem que investir se a gente quiser ter retorno…eu lembro que essa foi uma das piores épocas, que eu desanimei mesmo, eu estava concluindo a faculdade nessa época, estava uma rotina muito cansativa, ai veio a pandemia.”

A “super mulher” se dividia em uma tripla jornada de trabalho, dava aula em meio período e estudava no outro. Com a chegada da pandemia, inicialmente ficou desempregada, mas logo depois, além de continuar as aulas de forma remota, também começou a dar banca (reforço escolar) e foi professora do Programa UPT – Universidade para todos, cursinho pré-vestibular gratuito da pública estadual, ocupando os três turnos do dia. Pela manhã aula com uma turma, a tarde banca e a noite aulas no cursinho, além das demandas do seu negócio.

“Foi um desafio muito bom pra mim”, afirmou a microeemprendedora.

Quando a crise sanitária se instaurou, decidiram depois de um mês entregar o ponto, apesar de ter investido muito no local. Guardaram as coisas em um depósito e voltaram a fazer os hambúrgueres onde tudo começou, na cozinha do bar do seu pai que até então estava fechado e foi neste período que começaram a utilizar os aplicativos de delivery e as redes sociais. Como não pagavam o aluguel do espaço, o retorno financeiro foi surgindo, os fluxos de vendas aumentaram e com isso precisaram contratar um entregador e um auxiliar de cozinha. “Eu me lembro que a nossa primeira bag de entrega foi minha avó quem fez, a gente pegou um isopor que tinha lá no bar, uma mochila que eu tinha, aí arrancou a alça, ela costurou, colocou outra e um amigo nosso pintou a logo”, recordou.

O casal Luryan e Sandro queria algo diferente, com um estilo próprio (Foto de Bárbara Lima)

Depois de um ano, os estabelecimentos já estavam reabrindo, assim como o bar, então precisaram pensar em um novo local, com uma cozinha maior pois a demanda estava alta e, o que no início foi feito por necessidade financeira, acabou se tornando além de um investimento uma paixão.

“Você trabalhar com o que gosta, não tem coisa melhor, né?!”, disse a microempreendedora.

Recomeço

Atualmente a hamburgueria está localizada no centro da cidade, local este escolhido estrategicamente para recepcionar e atrair mais clientes além de poder realizar suas entregar de forma ágil pois antes, quando estavam em seu bairro por ser mais afastado a logística e a velocidade acabava ficando comprometida.

Para o novo ponto, uma reforma foi necessária, desde a pintura a construção de espaços, o investimento em mão de obra, material de construção, moveis e criação da nova identidade do negócio ficou em torno de R$ 10 mil, processo esse que foi gradual. Novos ares, novo nome, e o escolhido foi “Taverna”, mas as mudanças não pararam por aí, ao planejar o local, Luryan e Sandro queriam algo diferente, com um estilo próprio. “Como é um lugar que a gente tá todo dia, eu acho que é uma coisa que precisa ter a nossa cara, muita gente que chega aqui comenta que o local é legal, aconchegante e é como eu quero que as pessoas se sintam e eu também”, complementou.

As prateleiras com livros disponíveis para o público é um outro diferencial do empreendimento, por ser amante da leitura, Luryan decidiu unir em um único espaço duas coisas que gosta muito. “Tem que ser algo também cultural sabe, desde as músicas ambiente, você tem que oferecer outras possibilidades, tem gente que vai preferir chegar e utilizar o celular, e ai a gente disponibiliza o wifi, mas tem pessoas que pega um livro enquanto espera o pedido, a recepção do público é muito interessante, tem gente que comenta sobre algum autor que tá lá, é empolgante.”

A proposta da Hamburgueria é ser também um ambiente cultural (Foto: Bárbara Lima)

Ao perceber que a internet poderia ser uma vitrine para a hamburgueria, a empreendedora fez uma parceria no instagram com uma amiga que é digital influencer na cidade Flavia Neves. “Eu percebo que as pessoas vão muito pelo visual, então a gente começou a postar foto, a mostrar os processos internos nos storys das produções dos lanches, no nosso perfil e no dela porque as pessoas também gostam de saber disso.” Existem diferentes modelos de hambúrguer artesanal e através de enquetes na página do instagram elas também tiram diversas dúvidas do seu público.

A internet foi um divisor de águas no negócio e para Luryan é uma ferramenta indispensável, “Quando eu disse que a gente fazia esse processo do boca a boca, era algo menor e próximo, um amigo falava com outro, eu levava o lanche ali na casa do vizinho, mas como eu ia fazer esse processo aqui? Não consigo nem mensurar a importância da internet pra gente, é uma ferramenta de trabalho essencial, não tem como você pensar em algo sem essa questão da internet..eu percebi que na pandemia os negócios próprios ou caseiros começou a ser uma forma de salvação com a internet.”

Como nem tudo são flores, principalmente para mulheres, a microempreendedora relatou que já passou por diversas situações de medo, machismo e violência.

“Quando a gente fazia lanche no bar eu levava a entrega a pé, eu estava correndo risco a noite, hoje quando estou no atendimento eu sou assediada, tô atendendo e sendo assediada, ou eu não estou sendo reconhecida, porque eu sou mulher…eu percebo que o machismo ocorre muito, as pessoas sempre associam que o que a gente tem é sempre do homem.”

Para a microempreendedora, a liberdade em poder trabalhar com o que gosta, faz com que, apesar do cansaço, a rotina e as demandas fiquem mais leves, o empreendimento se tornou uma extensão da sua casa, e hoje até a TV da família foi colocada no local. “A gente passa mais tempo aqui do que em casa, durante o dia, acordo e vou dar aula, a tarde saio pra dar o reforço escolar e a noite venho pra cá (Taverna), então eu vou pra minha casa só pra dormir.”

O ambiente se tornou tão especial que mesmo fechado a jovem utiliza para realizar seus planejamentos de aula, “É um ambiente que eu gosto de estar, pra mim tem um significado muito grande, eu costumo dizer que eu não consigo fazer outra coisa mais, eu mantenho a minha profissão por uma questão de gosto e amor, se em algum momento eu não poder estar mais na escola, eu vou ficar aqui super tranquila porque aqui (a Taverna) acabou se tornando a minha família, é a galera que eu curto, pra mim tem um significado muito grande”, afirmou a microempreendedora.

Atualmente a equipe é formada por 6 pessoas, incluindo o casal (Foto: Bárbara Lima)

Com a pandemia os cuidados são redobrados, os números de mesas e cadeiras são limitados para o ambiente não ficar muito cheio e os cardápios podem ser acessados de forma digital através do QR code que foram colocados nas mesas. “Tem gente por exemplo que tá na mesa e faz o pedido pelo whatsapp, a gente procurou encontrar alternativas pra ficar melhor pra todo mundo.” complementou Luryan.”

Para os próximos períodos, o casal microempreendedor pretende aumentar a variedade do cardápio e também ampliar o horário de atendimento para o período vespertino. Para a jovem microempreendedora é preciso confiar na sua capacidade e abraçar a ideia.

“Estude, acredite no seu potencial e no que você pode oferecer.”

Para a jovem microempreendedora é preciso confiar na sua capacidade e abraçar a ideia (Foto: Bárbara Lima) 

Saiba mais sobre a Taverna Hamburgueria: acesse o perfil no Instagram @tavernaseabra https://www.instagram.com/tavernaseabra/

“Se você tem uma ideia, segure firme nela”

“Se você tem uma ideia, segure firme nela, vá lapidando, juntando o recurso pra isso e faça acontecer, acho que a paciência e uma boa ideia são coisas que ajudam a você ter um bom negócio.” É o que afirma Anderson Silva Rodrigues, conhecido popularmente como “Pitchula”, 30 anos, natural de Seabra, graduado em filosofia pela UFRB e proprietário da Mandala Tabacaria.

Quando iniciou a pandemia, o recém graduado voltou a sua cidade para reiniciar sua vida, depois de longos anos morando fora. Sem perspectiva e com diversas incertezas, principalmente devido a atual conjuntura social, Anderson utilizou a criatividade e sua rede de contatos para driblar a crise e começar um novo projeto.

“Cheguei aqui do zero pra tentar recomeçar as coisas sabe, e aí que veio a ideia de comprar umas sedas, já que eu conheço muita gente do meu meio que fuma tabaquinho orgânico…então comecei a comprar umas sedas, uns tabacos orgânicos e fui empreendendo, a partir desse ciclo da galera que eu ando.” 

No início, a loja era apenas virtual e o orçamento para comprar as mercadorias era baixo, cerca de R$ 300, e para viabilizar as compras dos materiais de trabalho, o microempreendedor fazia delivery de lanches a noite, depois de um tempo, quando as vendas começaram a melhorar, decidiu sair do antigo emprego para focar no seu projeto.

Anderson Silva utilizou a criatividade e sua rede de contatos para driblar a crise e começar um novo projeto (Foto: Bárbara Lima)

A abertura do espaço físico da loja foi um divisor de águas, fruto de um processo de comprometimento, paciência e dedicação, afirmou Anderson “ Eu não juntei o dinheiro rapidinho e de uma vez só, foi um processo, fui comprando as coisas, fazendo estoque e juntando dinheiro pra montar o ponto…quando percebi que já tinha condições então eu falei, é hora de abrir, esperei pra caramba.”

A Mandala Tabacaria existe há um pouco mais deum ano e seis meses, e a loja física tem um mês e meio desde a sua abertura e está localizada na garagem de sua casa, este foi um quesito importante que permitiu a abertura do espaço, pois os alugueis de imóveis na cidade são muito altos, sendo inviável para o orçamento do microempreendedor.

A Mandala Tabacaria teve seu espaço físico inaugurado recentemente (Foto: Bárbara Lima)

Morador do Mercadão, um dos bairros periféricos da cidade, Pitchula acredita que que pode ser uma referência para suas e seus pares: “a gente vem debaixo, a galera se espelha muito assim sabe…e é o que eu sempre falo, se tem uma ideia, acredite nela e faça acontecer, se empolgue por ela e a ideia tem que ser trabalhada, você tem que ser novo no que você tá fazendo e sobretudo criativo”.

Agora, com as portas abertas, as vendas têm aumentado gradualmente. Além do planejamento e dedicação do proprietário, o cultivo de boas relações e o famoso “boca a boca” entre amigos/as e conhecidos/as desde o início foi essencial para o êxito da lojinha. Hoje, muitos clientes que chegam até o estabelecimento são por de indicações de amigos ou de outras pessoas que conheceram a lojinha desta forma, para aumentar a divulgação do seu empreendimento, Pit distribui como brinde, adesivos da tabacaria a cada compra realizada por seus/suas clientes.

Para a reforma e montagem da loja, Anderson utilizou materiais de baixo custo como tábuas, pallets e materiais recicláveis, além disso, participou de todo o processo como ajudante do pedreiro, a média gasta entre moveis, mão de obra e os materiais para a reforma ficou em torno de R$ 2 mil reais, para além do investimento feito, um dos seus cuidados foi também pensar em um local alternativo e receptivo que agregasse clientes e amigos.

Atualmente esta é sua única renda e para ele a internet foi fundamental ao iniciar o seu projeto. “Acho que a internet é aquilo que te permite começar as coisas, porque no processo de empreendimento o marketing talvez seja 50% da parada, senão mais… muitos dos pequenos empreendedores surgiram desse meio virtual né, então não tem pra onde correr, eu acho que é por ai o caminho, sem a internet eu poderia não estar aqui hoje, é uma boa ferramenta”, afirmou Anderson.

O negócio aberto por Anderson Silva representa para ele “superação” (Foto: Bárbara Lima)

 Junto com o desafio e incertezas, veio também o triunfo e a possibilidade de se reencontrar consigo durante este percurso de construção e realização do projeto “Pra mim, essa caminhada representa algo que eu achasse que não fosse possível, que eu não fosse capaz, ela pra mim representa superação, eu me superei de um processo psicológico muito pesado, cheguei aqui na bad e ai recomecei aqui…cheguei sem expectativa, desesperançoso, tinha abandonado o mestrado e você acaba ficando mais tenso com essa situação toda e ai nesse processo de angustia, digamos que encontrei uma luz naquele túnel…a tabacaria é fruto disso.”

Com o avanço da vacinação e a reabertura gradual do comércio, atividades e eventos, Pitchula pretende que seu espaço também fomente e colabore com as atividades culturais da cidade, desde a produção de eventos, saraus e diversas outras manifestações de arte, para ele o seu negócio vai além do retorno financeiro: “não é só vender por vender, porque isso somente pra mim não faz sentido, já venho conversando com artistas, amigos e amigas que produzem algum tipo de arte, pra gente fazer desse espaço também um local agregador, pra gente resgatar uma cultura mais artística da cidade”.

  • Se você chegou até aqui, espero que tenha gostado da leitura.
  • Quer conhecer um pouco mais sobre a lojinha? Acompanhe pelo instagram: @mandala__tabacaria
  • Seus produtos podem ser enviados para todo o Brasil e em Seabra as compras a partir de R$ 7 e têm entrega grátis.

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