(Más) caras

Uma reflexão sobre as máscaras – físicas e sociais – utilizadas dentro e fora de períodos pandêmicos.

Fellipe Moreira

As máscaras que cobrem nosso rosto são diversas. Elas surgem em momentos seletos ou em companhias específicas. Principalmente quando nos olham com ‘más caras’. A da alegria quase sempre falsamente estampada sobre a do abatimento. É como escreveram Ricardo Feghali e Nando: “Mas, se me olhar no rosto vai ver as tristes marcas num sorriso”. Contudo, raramente essas marcas importam para o outro. E apesar da tentativa de internalizar o recado da Pitty de que o importante é ser a gente, mesmo que seja estranho ou bizarro, acaba sim sendo estranho e bizarro. Tentar tirar a máscara que cobre nosso rosto para libertar o nosso verdadeiro jeito de ser traz, socialmente, uma energia densa do julgamento e de não-aprovação da nossa naturalidade e existência – até mesmo vindo de espaços que pregam a inclusão. Há quem diga que só precisamos de respeito e não de aprovação, mas não foi assim que fomos ensinados, e desconstruir isso não é fácil. E nem o respeito temos, muitas vezes…

Ilustração: Ed / Reprodução de: “O tempo” por Alex Bessas

De 2020 pra cá, muita coisa foi ressignificada. A saudade de uma época sem máscaras – desta vez falo das físicas – no rosto é grande. Máscara cirúrgica, N95, pff2, de pano, enfim… E estas, em específico, surgem para nos proteger do coronavírus. Usar máscaras cobrindo o nariz e a boca virou rotina, apesar de muita gente usar no queixo. Não se tratava de uma escolha individual e sim coletiva: proteger o outro e a si mesmo. Tirando as pessoas que não conseguem usar máscara por alguma impossibilidade, penso que é o verdadeiro ato de patriotismo que tantos pregam. Embora eu ache que essa história de: “se eu não usar máscara o problema é só meu”, é problemática, porque em uma situação sanitária mundial assim, todo mundo, até quem não tem nada a ver acaba ‘sobrando’.

Lá por abril de 2020, por muitas vezes dobrei a esquina da rua e percebi que havia esquecido a máscara em casa. Voltava correndo para buscar. O tempo foi passando… Lá por abril de 2021, percebi que eu era um dos poucos com máscara. Veio a vacina: que felicidade! Coronavac, Pfizer, Jannsen, Astrazeneca: tanto faz! Depois de duas ou três doses a flexibilização das restrições em decretos tornou-se mais presente. Lá por abril de 2022, vi que eu era o único com máscara em alguns espaços. Mesmo com três doses no braço. A vontade era de ir e retirar não porque eu queria, mas por livre e espontânea pressão. Era como se eu estivesse cometendo um crime. Eram más caras. Muito más… 

Ilustração: Rodrigo Machado / RR – Reprodução

Se estar com uma máscara pra se proteger de um vírus mortal – com vacina ou não – acaba sendo alvo da tropa fiscal alheia da vida dos outros, imagina o caos que é ser o que se é. E se eu quiser adotar esse estilo de vida, independente da covid? E se eu ainda não consigo tirar? E seu tenho pânico? E se eu ainda estiver ressignificando todos esses processos? E digo mais: e se eu simplesmente quiser usar porque tenho vontade? Por que isso incomoda tanto? E outra: ao ponto de virem questionar, debochar, rir, pressionar. É o mesmo com outras coisas que a gente escolhe, como cortes de cabelo, roupas, acessórios e afins. Deveria caber a mim me expressar do jeito que me sinto mais confortável desde que isso não interfira negativamente na vida do outro, correto? Parece que não, fora da teoria. E o que eu faço? Uso máscaras – desta feita aquelas fictícias que mudam meu comportamento por conta da sociedade preconceituosa, invasiva e egoísta. É injusto! E assim ‘segue a saga’ das máscaras.

Acontece também com o que a gente não escolhe, como cor de pele, sexualidade, corpo, deficiências, modo de falar, gesticular… E muita gente sofre por causa das suas individualidades legítimas – mas não deveria ser assim. E como dito na primeira linha deste escrito: As máscaras que cobrem nosso rosto são diversas. Mas seria tão bom se não precisássemos usar nenhuma delas. Nem físicas nem fictícias, pois aí não haveria mais os vírus: nem os mortais respiratórios nem os vírus da intolerância e suas cepas que, infelizmente e diversas formas, também acabam matando.

Pitty – Máscara