O nome do planeta ainda é fome

A reinserção do Brasil no mapa da fome escancara a política genocida do governo Bolsonaro e acentua, ainda mais, a desigualdade no país

João Carneiro

Mercados passam a vender carcaça de alimentos, queijo e soro de leite | Foto: Reprodução / Twitter

O Brasil voltou ao mapa da fome. Esta é uma das notícias que ninguém queria ler, mas que boa parte da população sabia que ia acontecer. Hoje pela manhã, antes de preparar o meu café, debrucei-me nesta triste notícia. Imediatamente, parei para pensar como a fome nunca deixou de assustar as famílias brasileiras, principalmente quando as coisas saíram dos trilhos em nosso país. 

Em 2020, ainda quando não podíamos nos abraçar, sair, viajar por conta de um vírus que se tornou ainda mais perigoso devido ao governo genocida de Jair Bolsonaro, o “Presidente” do Brasil, nós vimos um vírus destruir, friamente, famílias, pessoas, vidas, amores e planos futuros. 

Em dois anos, muita coisa aconteceu em nossa vida, e foi perceptível olhar, de forma escancarada, o nosso país retroceder em diversos âmbitos, principalmente naqueles que nos eram assegurados na Constituição, como, por exemplo, o direito à alimentação e à moradia. 

Ser brasileiro não é fácil, isto é fato. Nem tudo são flores, samba e alegria, como rotulavam as propagandas da Coca-Cola em época de Copa do Mundo. A realidade é que somos pessoas que lutam para obter o necessário. Sendo direto: ou vamos às ruas trabalhar para ganhar dinheiro, ou morremos de fome e acumulamos dívidas.

Recentemente, estive no mercado com minha mãe, e “carestia” é uma palavra que não saía tanto da sua boca, quanto das outras pessoas que estavam presentes no estabelecimento compartilhando do mesmo sentimento. Um sentimento de revolta, misturado com tristeza ao ver que, mesmo com o trabalho árduo, o salário é insuficiente para comprar o básico. 

Ultimamente, em todas as minhas idas ao mercado, sempre reparo que há um diálogo comum entre a maioria das pessoas:

–  Menina, tudo caro nesse país, não é? – diz um

–  Nem me fale, a gente até tenta comprar em grande quantidade, para deixar a casa abastecida, mas não tem como – diz outra

–  Desculpa me intrometer, mas é verdade. Como a gente consegue deixar a casa abastecida com o óleo custando quase 15 reais? O leite então nem se fala – acrescenta um terceiro.

E continuando a falar em diálogos, a fila do açougue, por exemplo, que até uns anos atrás era extremamente cheia, vive uma situação de tristeza e revolta hoje. Certo dia, enquanto ajudava minha mãe nas compras, observei a cena de uma senhora que perguntava em tom baixo para o açougueiro:

–  Sobrou algum osso, ou alguma pele aí, meu filho?

–  Infelizmente não, minha senhora. 

Minutos depois, tornei a observar a mulher conversando com outras pessoas do supermercado, explicando que não tinha mais condições de comprar carne, e que sempre ia ao estabelecimento para pegar algumas sobras que os funcionários deixavam. Os ossos que antigamente eram descartados, ou até mesmo dados para animais de rua, hoje passam a fazer parte da refeição de muitas pessoas da nossa sociedade. 

O “Planeta Fome”, termo dado pela lendária cantora Elza Soares ao ser questionada por Ary Barroso sobre a sua origem, nunca deixou de existir. Muito pelo contrário, se agrava ano após ano. Quem imaginaria, lá atrás, que em pleno século XXI, questões como essas ainda existiriam? Pois é, existem. E com o fortalecimento do capitalismo, aliado a outras questões como a podridão que é a elite brasileira, o surgimento de grupos de extrema direita, e a ganância mais e mais por cédulas de papel, nos fazem perder a esperança de um futuro digno.

Mais uma vez, tornei a me questionar sobre situações como essas. Mercados vendendo carcaças de alimentos como se fossem algo normal para estar nas prateleiras? Pedaços de queijo foram deixados para fora durante o processo de corte? Soro de leite? Peles de frango? Em que mundo estamos vivendo?! E há pessoas, que no conforto de seus apartamentos localizados nas zonas nobres das cidades, com a conta cheia de dinheiro e o armário entupido de comida, normalizam questões como essas. E o pior de tudo, é que às vezes, até os próprios afetados tendem a repetir esse comportamento

A desigualdade social é escancarada. Assim como a revolta da população trabalhadora que, graças a um chefe de estado que se diz “Cidadão de bem capaz de acabar com a pobreza e gerar empregos”, submete-se a abomináveis condições de trabalho para conseguir uma renda que se tornou insuficiente de levar o pão de cada dia até a mesa. Culpa de um governo incapaz de promover políticas públicas capazes de fornecer assistência e um ambiente equânime. 

A fome, deveria ser de luta, de transformação social, de mudança. Mas infelizmente, a sua face é de dor e descrença de um mundo melhor.