Memórias, tradições e costumes: a origem das vestes de São João

Cheias de cores, fitas e rendas, a indumentária junina é uma herança europeia

Maria Laura S. de Souza e Rodolfo Jesus

Quadrilha junina vetor criado por freepik. Créditos da Imagem (vetor pelo Freepik): <a href=’https://br.freepik.com/fotos-vetores-gratis/quadrilha-junina’>Quadrilha junina vetor criado por freepik – br.freepik.com</a>

Vamos combinar que o mês de junho tem cheirinho de milho cozido, quentão e paçoca. A fogueira na porta de casa é programação certa pro sábado à noite e as bandeirolas na rua são tradição na cidade. Além de toda a alegria vestindo a cidade, a festa de São João traz as típicas roupas juninas.

Cheias de cores, fitas e rendas, a indumentária junina é uma herança europeia. De acordo com o Historiador Adson Brito, as festas juninas tiveram origem na Capital da França, Paris, no século XVIII. Lá, acontecia uma festa voltada para os camponeses da Inglaterra e da Normandia.

 Algum tempo depois, essa festa foi trazida para o Brasil pela corte real Portuguesa. Nesse tempo, a comemoração junina era somente para os bastardos, coisa de gente rica, mas depois de um tempo ela se tornou popular entre os camponeses do Brasil.

O professor Adson também conta que, na Idade Média, houve outra configuração das festas juninas, elas eram tidas como festas pagãs.

As pessoas dançavam em volta das fogueiras em rituais, e quando a igreja católica percebeu isso, passou a vincular as festas em volta da fogueira aos santos católicos”, explica ele.

Nessa época a celebração era a São João e Santo Antônio. O professor Adson conta que, mais tarde, segundo relatos do padre Fernão Cardim, um jesuíta do século XVI, as festas juninas eram dançadas nas aldeias indígenas, como uma estratégia para catequisar os moradores.

Nesse contexto, os vestuários da festa junina também tinham um motivo. Os homens, tanto na Europa quanto no Brasil, usam calça, camisa quadriculada, chapéu de palha e colete. Mas esses apetrechos todos não são à toa, cada adereço tem um significado.  

O chapéu de palha era pra deixar claro que eles eram homens do campo, fortes, trabalhadores, que ficavam embaixo do sol quente o dia inteiro e por isso usavam chapéu. E aqueles remendos na calça, ao contrário do que muitos pensam, era um sinal de que as roupas eram novas. Para os camponeses, as vestimentas eram poucas, então ficavam gastas em pouco tempo. Os remendos coloridos nas vestes faziam elas parecerem novas e bonitas. A camisa xadrez era muito usada em Portugal e ficou famosa aqui também. Os bigodes e cavanhaque eram sinal de masculinidade para os homens, e assim se montava o look masculino.

Quadrilha Junina no início do século XX. Foto: Google Image

A roupa das mulheres também tinha um objetivo. Mais do que hoje, as vestes daquela época eram bem exageradas. Por debaixo das saias elas usavam anáguas para dar volume e roda, com o objetivo de fazer mais movimentos na hora da dança. A maquiagem também era forte para chamar a atenção dos homens do campo. As mulheres da nobreza, usavam saltos altos como símbolo de poder e riquezas, mas quando a festa chegou ao Brasil, esse costume foi adaptado a sandálias simples de couro. Na Europa, se usava seda nos vestidos para dar leveza e mostrar status, já aqui no Brasil se passou a usar o tecido chita, que é mais barato e colorido.Os trajes juninos mudaram muito ao longo dos anos. Hoje, no século XXI, além do visual caipira, muitas pessoas optam pela interpretação sertaneja. Muito da essência da indumentária do campo já se foi, mas alguns aspectos perduram.

Muito da essência da indumentária do campo já se foi, mas alguns aspectos perduram. Imagem de Olivia Gonzalez por Pixabay

Segundo a professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Renata Pitombo, doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-doutora em Sociologia pela Université René Descartes, Paris V-Sorbonne, pesquisadora de Moda, as vestes juninas vão além de uma herança histórica. Ela diz que é importante ressaltar como essa tradição se mantém e é renovada.

A roupa é esse elemento ao qual vinculamos sentidos e vão de algum modo espelhar essas memórias, essas tradições e costumes presentes na cultura brasileira a partir dos festejos juninos”, explica.

A professora da UFRB, Renata Pitombo, pesquisadora de Moda, ressalta que as vestes juninas vão além de uma herança histórica. Foto: Arquivo Pessoal

Ela diz também que as roupas servem como instrumentos de reanimação das memórias de determinadas épocas. “A roupa junina reativa valores sertanejos, valores interioranos, essa força campesina que ainda é muito presente no Brasil. Também reforça a importância da vida rural, e a celebração das colheitas, o amor à natureza e à própria terra”, conta a professora. O tecido de chita ainda é muito usado atualmente pelo mesmo motivo de antes: é barato, bonito e colorido. A blusa xadrez também continua na jogada e agora com adereços a mais: acrescentando uma calça e uma bota, não tem erro, é roupa de São João.

Em festas mais tradicionais, ainda se usa a calça com remendos e chapéu de palha. Pra quem quer usar vestido, pode apostar nas estampas com flores, fitas coloridas, babadinhos de renda, além dos apetrechos de cabelo e laços.

Juciara Marques é costureira na cidade de Cachoeira. Desde muito nova, sua mãe que também é costureira, costumava dar a ela trabalhos simples como passar a fita nas roupas, alinhavar e colocar vieses. Quando foi ficando mais velha, Juciara aprendeu a usar a máquina de costura e não parou mais.

Hoje, ela ganha a vida como artesã. Na época de São João, Juciara recebe vários pedidos de apetrechos, algumas pessoas procuram ela todo ano: “Tenho uma amiga mesmo, que todo ano me liga, ela fala ‘olha, é você que vai fazer a roupa da minha filha viu? Não esquece’, conta feliz.

Heloisa usando a saia que a artesã Juciara Marques fez. Foto: Rodolfo Jesus

Agora que já sabemos um pouco sobre as roupas de São João, a artesã Juciara vai mostrar como é o processo de costurar uma saia junina. Dá o play aqui embaixo pra saber: