“Olha o fogo, olha o fogaréu!”

A tradição da fogueira junina marca as noites do São João na zona rural do Recôncavo

Girlane Teixeira

Fogueira junina é uma tradição e é marcada por sensações, significados e costumes. Foto: Rosevania Santiago

A tradição de acender a fogueira junina na comunidade de Pau Ferro, na zona rural de Muritiba no Recôncavo Baiano, cidade situada a 114 km da capital Salvador, é marcada por sensações, significados e costumes que passam de geração em geração. Considerada um dos símbolos de maior referência neste período festivo, a fogueira também apresenta fortes influências no setor econômico, histórico e cultural.

Segundo o Instatuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a comunidade de Pau Ferro possui uma população estimada em 1122 habitantes. A chegada do mês de junho na comunidade é aguardada pelos moradores com maior alegria e expectativas de rever amigos e familiares que moram distantes e aproveitam esta época para fazer visitas, degustar das comidas típicas que são preparadas especialmente para esta festa, além de vivenciar os costumes e superstições em torno da fogueira.

O padre Josevaldo Carvalho, da paróquia São Pedro do Monte, explica a origem da fogueira e sua tradição. “É que acontece no solstício de verão lá na Europa na tradição pagã, não é nem prática cristã, pagã é aquilo que escapa a conduta cristã. Na Europa os festejos populares de acender a fogueira também ligada ao sentido agrícola. Então se acende na noite de Santo Antônio, na noite de São João e na noite de São Pedro”.

Por outro lado, destaca o padre, não se pode deixar de lembrar que a fogueira é um ponto de convergência, onde os amigos, a família se reúne em torno para fazer memória, para contar os causos, contar histórias, jogar pra frente a comunicação oral.

Ou seja, aquela transmissão que não está escrita, que não está registrada, jogar pra frente a história da família, as informações, tirar a curiosidade dos netos, dos filhos. Mas a herança não é religiosa, em primeiro lugar a origem é pagã.”

O gesto de acender a fogueira na noite de São João tem um significado particular na vida de cada indivíduo. A moradora Rosalia Santiago, 65 anos, por exemplo, relata as práticas que realiza nos dias 1º e 24 de junho, momento este que lhe desperta sentimento e sensação de saudade e alegria.  

“A gente tem aquela alegria, a chegada do dia para ver, acolher as amigas os amigos que vêm em nossa casa nos visitar. Na madrugada do dia 1º de junho a gente coloca no terreiro dois pedaços de pau, mas tem gente que com os dois pedaços faz uma cruz. A gente acende a fogueira, sempre acontecia no dia santo, quando tinha aquelas amigas bem amigas a gente pegava um pedaço de pau aceso colocava fora da fogueira e convidava aquela amiga pra saltar e então daquele dia em diante a gente estava chamando de comadre, considerava muito e era comadre mesmo de verdade, e não era qualquer pessoa, só quem a gente mais gostava e saltava três vezes a fogueira.”

Na localidade do Pau Ferro apenas o morador Roque Matos é vendedor de fogueira nesta época do ano. Ele arma as fogueiras em frente a sua residência para comercializar. Após dois anos sem a tradicional festa junina, por conta da pandemia da Covid-19 que começou em 2020,  Roque vê a esperança reacender com o retorno do São João e pela grande procura por fogueiras. Devido ao contexto pandêmico ele tem a expectativa de obter uma renda extra com as vendas, já que houve um aumento em 100%  no faturamento em relação ao último São João de 2019 que foi de 20%, Matos ainda ressalta os cuidados que se deve ter ao acender a fogueira.

“Acredito que a expectativa esse ano será gratificante e positiva no faturamento. Porque devido a pandemia nos últimos dois anos, a venda não foi o que esperamos, mas este ano está tendo muitas procuras das fogueiras. Também ensino os cuidados que se deve ter ao acender uma fogueira, como respeitar uma distância de 50 metros da vegetação e não acender embaixo ou próximo a rede elétrica”, disse o morador.

Roque Matos fazendo entrega. Foto: Girlane Teixeira

Essa tradição milenar ao longo dos anos passou por modificações e adaptações de acordo como é vivenciada esse costume, como esclarece a historiadora Catarina Cerqueira:

A fogueira nas tradições não cristã e europeia são denominadas como pagãs, ela vai ser o símbolo da renovação. Então a gente vai ver muito esses elementos ligados ao fogo, a renovação. Pensar que o período era um período também de festas da colheita onde se preparava a terra, então o fogo tinha esse elemento crucial. E aí quando faz esse processo de conversão de adaptação para o a tradição cristã o que é que se tem? A visão de que a fogueira ela foi utilizada pela mãe de João Batista pra anunciar o seu nascimento”.

Fogueira em frente a uma residência no Pau Ferro. Foto: Janacira Teixeira

A fogueira presente em frente as casas representa uma crença que ainda se mantém viva na lembrança de cada morador, em ornamentar a residência com bandeirolas, armar a fogueira e sentar próximo a ela para se esquentar no período considerado mais frio do ano, assar milho e conversar a luz do fogo. Como diz a letra da música “Fogaréu”, composição de Walter Queiroz: “Olha o fogo, olha o fogaréu”.  

You Tube: Olha o fogo, olha o fogaréu – Chiclete com Banana – Produção: Almiro da Bahia