Paredões de som: mais que música, impacto econômico e cultural ecoa nas comunidades

Cultura dos paredões de som transcende mera expressão musical e se estende para áreas sociais, políticas e de representatividade.

Por Victor Ribeiro.

Famosos no país inteiro tocando funk, piseiro ou pagodão os paredões de som dividem opiniões. São sistemas de sons complexos, acoplados em um porta-malas de carro ou reboque, que fazem sucesso nas periferias e interiores do país. Muitas festas de paredões possuem a imagem ligada à violência e consumo de drogas. Apesar do estigma, é necessário considerar que é uma cultura que pode ser identificada como principal opção de lazer em muitas localidades.

Acredita-se que os paredões de som que conhecemos tenham a origem a partir do sound system jamaicano. Surgido na década de 1940 nas festas de rua de Kingston, capital do país caribenho, os sistemas de sons eram equipados com caixas de sons, geradores elétricos, toca-discos e alto-falantes potentes. Naquela época, as estruturas se estabeleciam como uma opção acessível de cultura e lazer para as classes socialmente menos favorecidas.

A princípio, as festas eram uma alternativa mais barata aos shows de Rhythm and Blues, ou R&B, ritmo derivado do blues, mas que logo foi adotado pela cultura do reggae e suas variantes. Isso expandiu os sistemas de sonse seus ritmos, para além da América Central, como é o caso do Brasil.

Um aspecto que relaciona os sound systems jamaicanos aos paredões de som é a acessibilidade. As festas são alternativas de lazer e espaços para a disseminação de gêneros musicais regionais. Apesar do município de Cachoeira possuir uma forte tradição musical, estabeleceu nos últimos anos um controle rigoroso em relação à cultura de paredões de som e equipamentos sonoros instalados em porta-malas de carros.

A professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Regiane Miranda, é autora do artigo “A cena do ‘paredão’: festas móveis no Recôncavo da Bahia”, realizado em parceria com Lúcio Agra, docente da mesma instituição. Miranda percebeu que os donos de paredões se identificam como empresários. Além do grande investimento financeiro nos equipamentos, atendem grande demanda pelo serviço, sobretudo no período eleitoral, quando os veículos são alugados para propaganda política.

A professora explica que para os jovens, maioria que frequenta as festas, os paredões são tanto as “paredes” de som, quanto os equipamentos instalados nos porta-malas de automóveis. “O empresário de paredão, que é quem tem de fato a parede de som, enxerga os sons de mala de uma forma até pejorativa, pois são esses equipamentos que contribuem para criar uma imagem negativa do paredão”, complementa ela.

Isso se deve à facilidade dos veículos de criarem ambientes de festa em qualquer área e sem permissão da prefeitura, infringindo regras municipais.

Economia – Apesar da diferença, grande parte dos empresários de paredões, começaram com som de mala. É o caso de Natanael da Silva, conhecido também como Chacal Paredão, que trabalha com paredões há seis anos, mas, desde 2011, já atraía pessoas com o seu potente som de porta mala. Atualmente, o paredão de som é o principal sustento de Natanael e também forma de lazer. 

Com a agenda cheia, Chacal cobre diversas atividades além das festas, mostrando o quão versátil os paredões podem ser. “Sábado, domingo e até meio de semana estou sempre colocando paredão em zumba. Quando tem alguma programação religiosa eles me procuram e qualquer lugar da Bahia eu vou”, disse ele.

Durante o evento do Dia das Crianças, a escola Maria Raimunda da Silva Pereira, se transformou em um cenário de animação e alegria devido ao trabalho de Chacal. Ao chegar no evento, mais de 50 crianças aguardavam ansiosas, rodeando o veículo e entoando o grito de “paredão, paredão”. A festa foi marcada pela participação do equipamento. “Eu fiquei muito feliz, para você ver que o amor pelo som já vem de criança, todo mundo gosta de som”, conclui Natanael.

Burocracia – Apesar do paredão de som ser um equipamento rentável, na região de Cachoeira existe uma dificuldade para a realização de festas privadas de paredões. A falta de incentivo do município é o principal motivo para a dificuldade. “Eu ficava a semana toda atrás de ofício, liberação e documentação. Às vezes, a prefeitura liberava, mas chegava na polícia e eles não aceitavam o ofício. Já estava com bebida comprada, segurança e espaço alugado. Aí tinha que cancelar porque não podia passar por cima (da decisão) da polícia”.

Por meio de nota, a prefeitura do município informou que “proibiu o uso, em veículos de qualquer espécie, de equipamento que produza som audível pelo lado externo, especial, ‘paredões’, independentemente do volume ou frequência”. Durante o período de festejos de Nossa Senhora D’Ajuda, em Cachoeira, no mês de novembro, por exemplo, será proibida a emissão de ruídos de quaisquer meios, segundo o poder público.

A prefeitura justificou que a proibição se deve porque a poluição sonora afetaria os prédios antigos do centro histórico. Por ser uma cidade com bens tombados pelos órgãos estadual e federal do patrimônio cultural material, o município possui construções antigas cuja manutenção exigiria cuidados.

Além disso, foi considerada a importância de manter a ordem na cidade. De acordo com a prefeitura, proibir as festas derivadas dos paredões de som evitaria brigas e confusões nos ambientes públicos. Atualmente, para um paredão de som funcionar na cidade é necessária autorização assinada pelo poder público municipal, Polícia Civil e Militar. Se uma das organizações negar a assinatura, o documento é invalidado. 

Lazer – Apesar disso, festas com paredões de som podem ser uma importante opção de lazer e também um incentivador econômico local. Atividades como essas em bairros mais afastados do centro da cidade, ocupam uma lacuna de entretenimento que, por ventura, é deixada de lado pela Prefeitura Municipal.

As festas também representam oportunidades para trabalhadores e trabalhadoras informais. “Tem uma festa no bairro e aí a manicure e o salão de beleza ganham, porque as meninas vão se arrumar. A pessoa que tem um bazar vai vender uma roupa. Supermercados e depósitos ganham vendendo bebida e água, a moça do acarajé também. Então, todo mundo ganha. Gera uma economia naquela localidade ali”, afirma Chacal.

Nas zonas rurais de Cachoeira e região, os donos de bares são os principais promotores destes eventos. Por serem áreas economicamente menos privilegiadas, às vezes, um show com banda pode ser inviável devido aos custos de produção. Contabiliza-se aí os investimentos com os cachês da banda, aluguel de equipamentos e o transporte, seja de veículo alugado ou gasolina de carro próprio.

Um paredão de som nesse sentido se torna uma atração muito mais em conta e prática. Apesar do preço da prestação de serviço variar, os custos envolvidos são menores do que a contratação de um grupo ou artista musical. Por ser comparada a uma “banda móvel”, a aparelhagem pode ser estacionada sem precisar de uma estrutura elaborada, como as empregadas nos shows. 

A flexibilidade de horário oferecida pelos paredões é um atrativo adicional, permitindo que as festas se estendam até altas horas da madrugada. Além disso, os paredões permitem a reprodução de qualquer gênero musical, desde que seja da escolha do contratante e do público. “Ele fala ‘eu quero ouvir isso e aquilo’, então, eu vou e coloco. Nas festas, eu até recomendo colocar um artista local por conta do preconceito. Então, o artista se apresenta e mais tarde eu ligo o paredão, que pode ficar tocando até mais tarde”, informa Chacal.

Desafios – O preconceito contra essas festas é algo a se pensar, principalmente em relação a outros tipos de eventos e aparelhagens. É o caso das miniaturas de trios elétricos, que, apesar de terem dinâmicas diferentes, possuem uma grande potência sonora. Da mesma forma, propiciam a ocorrência de brigas, devido à aglomeração de pessoas, mas não possuem uma imagem tão negativa frente a opinião pública. 

É comum associar os paredões de som aos gêneros musicais periféricos de cada Estado, como, por exemplo, a associação do paredão com o funk no Rio de Janeiro e São Paulo e o pagode baiano ou “pagodão” na Bahia.

Discursos – O pagodão é um gênero musical com fortes influências do samba-reggae, mas com um swing e percussão mais acelerada. As músicas, em grande maioria elaboradas para terem coreografias, possuem uma grande expressão sexual, seja nos movimentos ou mesmo nas letras, mas que beiram muitas vezes ou alcançam o sexismo. 

 “Eu quero as duas, eu sou vagabundo. Mas é mentira, eu quero é todo mundo. E se der merda, alguém me ajude. Quase fode tudo por causa do Facebook”. Música “Facebook”, da Banda Pagodão

Além disso, alguns pagodões possuem uma carga de violência nas suas letras que são reflexo do ambiente em que moram os compositores. Seja em resposta à violência dos órgãos do poder público nas periferias, ou por intrigas locais.

De madrugada sem fazer nada, perto do beco na quebrada, tomou de rajada. Covardia danada, o seu corpo estirado no chão e eu nem tava lá pra segurar sua mão, Óh Deus!”. “Parceiro Meu”, da banda Guettho é Guettho

Desse modo, é possível pensar que uma das causas do preconceito com festas de paredões é a forte ligação com o pagode baiano. Neste sentido, liberdade de expressão sexual, denúncias sociais e expressão artística, cultural, periféricas não são posturas bem vistas pelo Estado e pelas classes conservadoras. “Essas associações de gêneros musicais com desordem, confusão, violência tem tudo a ver com algo que sempre existiu nas circunstâncias periféricas do mundo”, diz o professor e pesquisador, Lúcio Agra.

Tanto o machismo quanto a violência estão presentes no gênero do pagodão. Porém, não é algo exclusivo do estilo musical, o que torna ainda mais importante o diálogo e a problematização sobre esses assuntos.

Apesar disso, os paredões de som e o pagode baiano estão se tornando uma combinação inclusiva e diversificada. Com o avanço das discussões sobre gênero e empoderamento, cada vez mais grupos minoritários ganham espaço nesses ambientes. Trazendo para dentro do próprio cenário de paredões, visões e vivências que fogem da perspectiva do homem, hétero-cis.

 “Em festa de paredão minha presença te incomoda, tenta me esculachar tenta me botar pra fora… Mexeu com A Travestis, coitado dele. Se me agredir, é surra de bunda nele”. “Surra de bunda nele”, da banda A Travestis

Uma figura importante para essa discussão de gêneros dentro do âmbito dos Paredões é Paulilo Paredão, criadora do “1º paredão 120% LGBTQIAPN+ do Nordeste”. A artista é uma produtora não-binária que fomenta a cena underground de Salvador e contribuiu com a carreira de artistas como Tertuliana Lustosa, vocalista trans da banda, A Travestis. Lustosa já gravou uma participação com Pabllo Vittar, na música “Tímida”.

“Um novo mundo dominado pelo darkness me abduziu, um mundo onde somos roqueiras, pirigóticas, trevosas, mas curtimos um pagodão, onde travestis e mulheres protagonizam a cena, onde somos livres pra jogar a raba e cantarmos da forma que quisermos”. “Roqueira no Paredão”, da banda – A Travestis e Malfeitona

A proposta de Paulilo é criar um ambiente de lazer e trabalho seguro tanto para artistas, quanto para aquele público, que são destoantes dos padrões sociais, a fim de oferecer acolhimento e representatividade.

É fundamental encontrar um equilíbrio entre a regulamentação necessária e o reconhecimento do valor cultural e econômico desses eventos para promover uma convivência harmoniosa e promover o desenvolvimento.

Em suma, a cultura dos paredões de som transcende a mera expressão musical e se estende para áreas sociais, econômicas e de representatividade. Esses eventos não apenas proporcionam diversão e entretenimento, mas também desempenham um papel crucial na economia local, gerando empregos e oportunidades de negócios, particularmente em comunidades com poucas opções. 

Além disso, os paredões muitas vezes servem como um espaço de representatividade e inclusão, dando voz às comunidades marginalizadas e sub-representadas. Reconhecer a importância cultural e econômica dos paredões de som é um passo na direção de uma sociedade mais diversificada e inclusiva, onde as diferentes manifestações culturais são valorizadas e respeitadas.

*Foto destaque: Paredão “Chacal Paredão”. Fotografia/Natanael Silva