Quando o conhecimento científico e senso comum podem construir o saber

Natália Dourado Lopes

Cachoeira – O título de Doutor Honoris Causa  é concedido a um individuo em reconhecimento às suas virtudes, méritos ou atitudes.

Dalva Damiana de Freitas, popularmente conhecida  por Dona Dalva, devido a sua contribuição ao Samba de Roda do Recôncavo da Bahia – tombado pelo IPHAN como Patrimônio Imaterial Nacional e posteriormente reconhecido pela Unesco como Patrimônio Imaterial da Humanidade – recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) no ano de 2012.  Ela é um exemplo de como o conhecimento científico e o senso comum podem estar atrelados e reforçados para a construção do saber.

Aos 86 anos, Dona Dalva é compositora, cantora, líder do Grupo de Samba de Roda Suerdieck, integrante da Irmandade da Boa Morte e costureira. Filha de uma operária da fábrica de charutos Dannemann e de um sapateiro,  trabalhou desde muito cedo para ajudar a criar seus irmãos e não teve oportunidade de estudo. Conta que nas horas das tristezas, devido à difícil passagem pela vida, trabalhava e cantava baixinho para que Deus a ouvisse, e seu coração recebesse aquilo como calmante.

Quando lhe pergunto sobre a importância do conhecimento popular para a natureza científica, Dona Dalva diz: “Cada quem de acordo com sua vivência tem seu conhecimento. Eu já passei por tudo – sou mulher, pobre, negra, humilde, mãe de cinco filhos, operária – e sou apenas primária; a vida me fez forte, sou mulher honrada, e também tenho um conhecimento só meu. O saber morre com o dono, o que a pessoa aprende, principalmente na universidade, ela não esquece nunca mais; cada um procura seu universo e tudo contribui para a formação individual e de todos”.

Com relação ao processo de integração entre a comunidade cachoeirana e a universidade, Dona Dalva responde: “Eu não posso dizer por todos, mas por minha parte e por parte das pessoas que convivo, procuramos ir à universidade; estamos curiosas, buscamos outro universo” (em tom de brincadeira). Dona Dalva fala que já não frequenta a UFRB pois está um pouco debilitada – a idade, os problemas de saúde – mas, o corpo docente a visita e pede para ela opinar em questões relacionadas ao Centro: “Sempre me procuram para eu dar uma opinião, o professor Barata, professor Xavier, o reitor…”.

Para ela, quem procura algo é porque precisa e quer crescer, e todos querem crescer, uma vez que a sabedoria faz parte da vida e o crescimento é a vida, sem buscar isso, a pessoa não encontra felicidade. Orgulhosamente fala: “Eu me sinto feliz”. E continua: “A UFRB é o futuro de quem está e para quem chega à cidade da Cachoeira”. Ao falar sobre o seu reconhecimento perante a comunidade e a universidade, Dona Dalva reflete: “O orgulho não é só meu em receber o título de Doutora Honoris Causa pela universidade, é de toda a Cachoeira, pelo destaque na área cultural”.

Considero-me uma alta milionária pelo título que recebi. Eu sou o meu futuro, sou o futuro da minha família. Não tenho nada material, mas pobreza não desfaz ninguém, e eu me considero valiosa e posso contribuir com minha história”. “Nas horas das minhas aflições eu chamo por Deus, e digo: Deus me segure, me dá mais uns anos aí pela frente, pra ver se vem qualquer coisa na minha mente, e quando me procurarem, eu ter palavras pra dizer, não ofensas, pois não desejo ofender pessoa nenhuma, mas para aconselhar. Tive uma vida difícil, sofrida, pobre, uma passagem muito temerosa, mas, em sequer um momento, eu pensei em desistir. Nunca pensei em desistir de mim”, concluiu enfática Dona Dalva.

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