A desconstrução de gênero na infância

Aline Ogasawara

 

As discussões a respeito de gênero vêm ganhado bastante espaço atualmente. A luta feminista traz à tona questões que são tratadas como naturais na sociedade, mas que precisam ser discutidas para que se alcance uma igualdade de gênero. A inserção do indivíduo no meio social começa na unidade primária: a família. Como os ideais de desconstrução de gênero desse movimento contribuem para abalar as estruturas da sociedade que ainda é dominada pelas doutrinas do patriarcado?

A necessidade da atribuição de papeis baseados apenas no gênero, ainda predomina na mentalidade da construção social. Homens são privilegiados por terem nascido homens, e mulheres subjugadas por terem nascido mulheres, e logo, menos capacitadas, seguindo essa lógica.

Segundo a professora Elizabeth Bortolaia Silva em seu texto Des-construindo Gênero em Ciência e Tecnologia, “Esta divisão do ser, fazer e perceber entre homens e mulheres é percebida como natural, enraizada na biologia, produzindo profundas consequências psicológicas, de comportamento e sociais.”. A ideia da desconstrução de gênero procura combater exatamente esse pensamento. Procura-se extinguir essa teoria de que existem fatores que pré-qualificam o indivíduo a certas atividades e desqualificam outros.

A família, sendo o primeiro contato social do indivíduo, é o ponto de partida na atribuição de papeis, mesmo que inconscientemente. Ao não se permitir que meninos usem roupas na cor rosa, ao aconselhar e até mesmo proibir que meninas brinquem com brinquedos classificados com masculinos, ao condicionar meninas a brincadeiras que simulem o seu papel social de doméstica e mãe. Somos levados a repassar às crianças a mesma educação que nos foi dada, até que criemos um pensamento que questione essa metodologia.

karatê
Peça da série de ilustrações feministas do livro Mulheres, de Carol Rosseti.

A causa feminista questiona todo esse método de educação. Mães que militam pela causa vêm buscado ao máximo a desconstrução de gênero na criação de seus filhos. O rompimento com ideais misóginos desde o princípio de formação da identidade social das crianças é um importante passo para o fim da desigualdade de gênero. São inseridos na sociedade indivíduos que desde jovens questionam a lógica dessa segregação de valores e privilégios, trazendo ainda mais força para o movimento.

A desconstrução de gênero no núcleo familiar não se restringe à forma de educação da criança. Ela inclusive pode partir da posição adotada por seus pais. “A criação do saber e do fazer enquanto construções sociais implica na possibilidade de reconstrução.”, diz Elizabeth Bortolaia.

A ciência não é baseada em descobertas, e sim em criações, como afirma Bortolaia. As teorias são criadas e interpretadas por “decodificadores primários”, e logo em seguida novamente interpretados por seus leitores. Logo, se a instituição Família foi estabelecida há muitos séculos como sendo formada por um homem e uma mulher, a partir do momento que o indivíduo cresce em uma família que foge a esse padrão, a sua interpretação do que é família será totalmente reformulado e diferente do convencional.

Yasmim Marinho, 23, estudante de Comunicação Social com habilitação em jornalismo pela UFRB, é militante da causa e diz que sempre teve o desejo de gerar um filho. “Desde que eu me entendi como lésbica, eu soube que o único meio que eu tinha para isso era a inseminação artificial”, diz Yasmim.

Ela planeja ter esse filho aos 25 anos, que é quando estima já estar estabilizada financeiramente. O desenvolvimento de uma criança numa casa onde a presença masculina simplesmente não existe, já derruba as imposições da sociedade de que a mulher cuida da casa e o homem sustenta toda a família; desconstruindo gênero a partir da própria estrutura familiar.

Na Bahia, ter mulheres como as chefes de família já é uma realidade consolidada. Segundo dados do Instituto Brasileiro e Estatística a Bahia marcava cerva de 31,9% de mulheres à frente de suas famílias, índice maior que a média nacional de 29,2%. A capital baiana inclusive foi recordista nesse quesito no senso de 2006, seguida por Fortaleza, Belém e Recife.

Pontos como a não atribuição de papeis domésticos restritos às meninas, a não indução de que o homem tem o dever de sustentar a família são os pontos mais frisados quando se trata de desconstrução. Outro ponto da desconstrução que é abordado é o não culto à constante reafirmação da masculinidade. Meninos criados em famílias que inibem a sua expressão, crescem com restrições de comportamento para que a sociedade não questione a sua virilidade.

choro
Material veiculado pelo Movimento Educar para Crescer que atenta para a importância de uma educação de qualidade.

Laís Láiza Mello, 28, estudante de Ciências Sociais no Centro de Artes Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia em Cachoeira, é militante feminista e mãe de Felipe, 8. Ela diz que na educação de seu filho ela procura sempre fazer com que ele entenda que a mulher é tão proativa quanto o homem, fato que se reflete muito nas suas atitudes.

Laís conta que a desconstrução é um processo diário. Numa fala, nas respostas de atividades escolares, em colocações, etc. E como estamos a todo tempo rodeados de machismos nas suas diversas formas, a desconstrução tem que começar das pequenas coisas. Enfatiza a importância dessa cultura da desconstrução começar desde cedo para facilitar a compreensão da criança no futuro.

Enquanto Laís afirma não ter receio quanto a esse método de educação, Yasmim aborda a questão da superproteção maternal. O medo que as mães carregam de que seus filhos sejam agredidos, insultados e julgados por conta de preconceitos que lhes foram ensinados a não cultuar.

Na prática, educar um filho nesse novo parâmetro de educação é mais difícil do que aparenta. A sociedade vai tentar interferir e reeducar a criança, tentando ensina-lo o que é o “certo”. Laís, por exemplo, relata que é constante a tentativa de interferência na educação de seu filho em vários meios sociais que ele frequenta (escola, praças, casa de amigos, reforço escolar, entre tantos outros). Isso só intensifica ainda mais a necessidade de que essa educação seja amplamente disseminada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *