“Pele preta, voz preta: A ascensão de uma mulher negra na política”

Por Emanuele Macedo

Quando se fala de desigualdade social no mercado de trabalho, podemos evidenciar estatisticamente que a questão racial ainda é fator determinante para esse quadro. Fazendo um recorte de gênero, a discrepância e as dificuldades encontradas pelas mulheres negras são ainda maiores, principalmente nos cargos mais elevados.
Um estudo utilizando micro-dados do PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios no ano de 2007, mostrou que em cargos de chefia, mulheres pretas e pardas ocupam apenas 0,48% e 4,31% dos cargos contra 57,46% de homens brancos. (CASTILHO, Bárbara, 2007, p7)
A partir dessa realidade, fica clara a dificuldade para a mulher negra de se inserir em locais de chefia.

Eliana Gonzaga de Jesus é vereadora da cidade de Cachoeira – BA e presidente da Associação de Trabalhadores Rurais. Se inseriu na política a partir de demandas da classe trabalhadora que representa. Acerca disso, ela elenca: “muitas pessoas que se julgam até conhecedoras de política diziam que eu estava louca e que eu era até uma menina boazinha mas que não iria emplacar, que não iria dar certo, enfim, não acreditavam na força do trabalho, primeiro por eu ser mulher, segundo por eu ser negra e terceiro por não possuir poder aquisitivo compatível com a maioria dos políticos em geral”.

A vereadora Eliana em seu gabinete e sua assistente Cleide Simone (Foto: Emanuele Macedo)
A vereadora Eliana em seu gabinete e sua assistente Cleide Simone
(Foto: Emanuele Macedo)

Em seu primeiro mandato, que perdurou de 2009 a 2013, Eliana obteve o maior número de votos na história do município de Cachoeira. Atualmente em seu segundo mandato, a vereadora manteve a média do número de votos. Ela acredita na força do trabalho e atribui o seu sucesso a isso. Sobre as dificuldades enfrentadas no meio, a vereadora diz: “nós vivemos numa sociedade machista, essa sociedade acha que política não é coisa de mulher, que o lugar de mulher é na cozinha, e eu nunca gostei disso, eu sempre trabalhei. Pelo simples fato de você ser mulher, a sociedade diz que o seu lugar não é no meio político, que o seu papel não é no cargo de chefia, que você não pode assumir nenhum papel de destaque na sociedade. Mas hoje vivemos o século da mulher, da mulher interativa e que leva o pão pra mesa.” E ainda completa: “quanto maior for a dificuldade, maior o desejo de você vencê-la. Dificuldades para mim sempre fez (sic) parte do meu dia-a-dia, então eu consigo lidar com elas as enfrentando de cabeça erguida, eu não costumo baixar minha cabeça diante às perseguições, muito pelo contrário, isso me dá mais força para vencer, porque eu sei que existe um público que depende da minha coragem e da minha determinação para serem contemplados com os benefícios coletivos. Isso me dá mais força para poder avançar”.

Também podemos observar nos estudos de caso, a diferença entre os salários das mulheres negras e homens brancos quando ocupam os mesmos cargos. Dados mostram que o rendimento mensal médio por hora de mulheres pretas e pardas são R$ 3,04 e R$ 2,92, respectivamente, enquanto homens brancos adquirem R$ 6,68 pela mesma quantidade de trabalho. (CASTILHO, Bárbara, 2007, p3). A vereadora se posiciona sobre essa questão: “muito embora a sociedade aceite a função da mulher, ela não a reconhece de forma justa”. Ela complementa dizendo que: “quando você é mulher e negra, aí é que a coisa pega mais ainda porque nós vivemos também num país preconceituoso”.
No cenário político atual, mulheres negras não encontram representatividade. O posicionamento de Eliana acerca desse cenário é que o caminho para revertermos essa realidade é com a força do trabalho, com determinação e pela busca de quebrar os paradigmas impostos pela sociedade patriarcal: “nós mulheres temos que nos erguer e mostrar nosso papel na sociedade”.

A vereadora Eliana, trabalhadores rurais e colegas de trabalho. (Foto: Emanuele Macedo)
A vereadora Eliana, trabalhadores rurais e colegas de trabalho. (Foto: Emanuele Macedo)

Um estudo realizado pela OIT – Organização Internacional do trabalho em 2015, afirmou que a participação de mulheres em cargos de chefia de empresas no mundo teve um aumento em relação aos últimos anos. Porém, o percentual ainda é irrisório como um todo, sendo apenas 5%. Em entrevista à Rádio ONU, o vice-diretor do Escritório da OIT, em Nova York, Vinicius Pinheiro falou sobre esses dados: “A boa notícia é que houve um certo avanço na participação das mulheres em posição de direção e gestão e chefia das empresas. Essa pesquisa realizada pela OIT em 108 países, mostra que em 80 países houve crescimento significativo da liderança feminina nas empresas. Em 34 países, o crescimento foi superior a 7%. Entretanto, a má notícia é que esse crescimento ocorreu principalmente nas posições intermediárias de chefia. A quase totalidade das empresas no mundo continua sendo presidida por homens”. No Brasil, a representatividade feminina nos cargos mais elevados gira entre 5% e 10%, um índice muito abaixo do ideal de igualdade. Em relação ao quadro político cachoeirano, o qual Eliana pertence, de 13 vereadores eleitos na última eleição (2012), apenas 4 candidatas são mulheres, sendo 3 negras e 1 branca, enquanto 9 homens (3 negros, 1 pardo e 5 brancos) conseguiram ocupar o mesmo cargo. Para mais informações, acesse aqui e aqui .

Bárbara Castilho, em 2007, afirmou em seu artigo “Gênero e Raça no acesso aos cargos de chefia no Brasil” que “No Brasil os cargos mais prestigiados e as posições de poder na política estão tradicionalmente “reservados” aos homens brancos. Enquanto não parece haver barreiras para que as mulheres acessem e avancem no sistema educacional, fatores discriminatórios agem na inserção no mercado de trabalho, nas suas promoções, admissões e busca por qualificações, de forma adversária sobre elas, limitando seu desenvolvimento profissional. Já a discriminação com base nas características de cor ou raça incide tanto no sistema educacional quanto no mercado de trabalho, provendo aos brancos, quando comparados aos pretos e pardos, melhores chances educacionais, bem como melhores oportunidades no mercado de trabalho”.

Na sociedade machista em que vivemos, mulheres ocupando cargos de chefia vai contra os princípios do patriarcado, e, por isso, as dificuldades encontradas pelas profissionais nesses espaços são recorrentes. Quando se faz o recorte racial, mulheres negras, em sua maioria, não possuem sequer a oportunidade de almejarem chegar a cargos mais elevados, visto que as condições no mercado de trabalho são precárias desde os cargos mais subalternos. Além do machismo institucional, outro fator que impede a inserção dessas mulheres nesses locais é a meritocracia.
Mulheres negras que conseguem romper essas barreiras também estão em constante luta e resistência, e levam consigo não só o anseio ao sucesso pessoal, mas também, melhorias nas condições de trabalho para negras, pobres e periféricas.

Fontes:
Eliana Gonzaga de Jesus – Vereadora e Presidente da Associação de Trabalhadores Rurais.
“Gênero e Raça no acesso aos cargos de chefia no Brasil – 2007” – CASTILHO, Bárbara.

Links:
http://goo.gl/qZ9CCO
http://goo.gl/eMnFf4
http://goo.gl/01fbse

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