Quem dita moda em Cachoeira?

Grifes locais, estilos e tudo que é tendência na cidade mais antenada do Recôncavo

Andando pelas ruas de Cachoeira é fácil perceber a forte influência da estética afro na forma como as pessoas se vestem. Turbantes, brincos, colares, cabelos crespos soltos em tranças, dreadlooks e roupas coloridas são tendências presentes na maioria dos looks. Confira algumas grifes locais e as principais influências da moda contemporânea na cidade.

As Quilombelas

Três amigas com interesse em comum por moda se unem e decidem criar uma grife.  Além de vender roupas e contribuir com a luta contra o racismo, elas ajudam a reerguer a autoestima de jovens negros na cidade onde vivem. Assim surgiu a Quilombelas, principal referência em moda étnica na cidade de Cachoeira, Bahia.

A sócio-proprietária da Quilombelas, Giselli Oliveira é poetiza, mãe e acaba de se graduar em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo (UFRB). Hoje a afroempreendedora, como ela mesma define, ocupa-se apenas coma Quilombelas empresa que fundou junto com a amiga Evelyn sacramento. ‘Quilombelas’ é nome de batismo do blog onde Giselli veiculava textos autorais sobre moda, racismo, a ausência de modelos negras na cena fashion do país, além de algumas poesias. Segundo ela, esse era um pronome de tratamento muito usado entre as militantes do núcleo de negros e negras estudantes da UFRB.

Cordas e búzios são alguns dos materiais usados nos acessórios Quilombelas.
Cordas e búzios são alguns dos materiais usados nos acessórios Quilombelas.

Os cortes de tecidos coloridos e estampados no tamanho de 1m por 50cm foram um verdadeiro sucesso e tornaram-se o carro chefe da grife. Há quatro anos, quando a marca foi lançada não existam outras lojas que vendessem turbantes na cidade e Quilombelas foi a pioneira no comércio do artigo.

“Nós começamos na cara e na coragem”, conta Giselli, que no início pegava emprestado um toldo que sua mãe tinha em casa e saía para montar campana na orla de Cachoeira. Mesmo sem experiência nem estrutura ela conseguiu colocar a Quilombelas na rua e a recompensa não poderia ser melhor: “nossa estreia foi um sucesso, nós vendemos, as pessoas elogiaram, comentaram que a cidade estava precisando de um empreendimento assim, foi um grande incentivo” contou ela, que hoje pode até reclamar um pouquinho dos clientes que chegam a bater em sua porta à procura de novidades.

Quando questionada sobre as referências que usa para confeccionar os acessórios e escolher as peças que vão compor a coleção, Giselle conta que tanto ela quanto sua sócia buscam sempre inspirações na moda presente nos países do continente africano. Tanto a moda considerada tradicional composta por roupas de corte e modelos clássicos, geralmente vestidos, conjuntos de saia e blusa ou blazer e calças em tecidos coloridos típicos de países como Moçambique e Angola, quanto à moda afro-americana e brasileira.

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Enquanto a sua loja ateliê não fica pronta. Giselli exibe os artigos Quilombelas em stands na orla de Cachoeira.

Movimento Afropunk no Recôncavo da Bahia?

A nova coleção recebeu o nome de Recôncavo Afropunk porque a Quilombelas foi buscar referências estéticas no movimento Afropunk que surgiu em meados dos anos 90 em Nova York onde os negros impedidos de participar da cena punk tradicional por causa do racismo ali presente se juntaram para resistir ao preconceito e empoderar outros jovens através da moda, música, cor e identidade. Hoje o Afropunk é considerado um dos movimentos mais multiculturais dos Estados Unidos. Segundo Giselli, uma das principais características do movimento afropunk é que eles não se incomodam em causar. “A coleção está bastante colorida. O Afropunk mistura muita cor, ele vem pra dizer que o negro pode usar tudo. Ele pode pintar o cabelo de lilás, usar batom azul” conta ela.

Mesclado a isso as fashionistas da Quilombelas utilizaram elementos que são comumente encontrados nos acessórios baianos e sobretudo do Recôncavo como a corda e os búzios presentes nas pulseiras, colares e brincos da coleção. Outra referência utilizada são os heróis negros na história do Brasil. As estampas mais famosas da grife referenciam Zumbi e Dandara, figuras centrais da resistência do Quilombo do Palmares contra as forças de dominação colonial.

O desfile de lançamento desta coleção aconteceu na Praça 25 de Julho e para vestir as peças foram selecionadas modelos negras e negros cachoeiranos dando visibilidade e valorizando a estética local. “Eu acho que a gente tem que dar essa visibilidade porque as mulheres negras têm poucas oportunidades de ocupar esse espaço, sobretudo na moda que ainda é usada para reforçar e valorizar um padrão estético que deixa as mulheres negras de fora” explica Giselli.

As modelos Jammily Pereira e Layana Alves vestem camisetas "Dandara"da coleção Recôncavo Afropunk.
As modelos Jammily Pereira e Layana Alves vestem camisetas “Dandara”da coleção Recôncavo Afropunk.

Além disso, as modelos tinham diversos tipos físicos, algumas eram altas, outras mais baixinhas, modelos magras e também plus size. “A Quilombelas é moda, mas não é só. Por trás da Quilombelas existe uma proposta de militância mesmo, de mostrar a diversidade do povo negro, saber o que ele gosta de vestir e construir estratégias voltadas para esse público. Com a cara deles” declarou.

Tornar crespo 

Outro grande empreendimento no ramo é a Encrespando também de Cachoeira. A ideia surgiu quando a jornalista Lorena Ifé começou a produzir fotos tutoriais de amarração de turbantes e dar dicas de cuidados com os cabelos crespos e cacheados na rede. Hoje é um empreendimento que funciona virtualmente oferecendo produtos e serviços voltados para a cultura afro-brasileira.

“O primeiro produto que eu comecei a vender foi o turbante. Na verdade eu já ensinava a amarrar e ai muita gente começou a perguntar se eu não vendia, ai eu decidi investir e nisso foi crescendo, hoje a encrespando vende turbantes, brincos, colares” conta ela.

Os designs dos acessórios são referencias diretas à elementos da cultura negra. Os brincos são inspirados em alguns símbolos Adinkra, um conjunto de símbolos desenvolvidos pelos Akan grupo cultural presente nos países de Gana, Costa do Marfim e Togo, esses símbolos são utilizados para transmitir ideias e todos eles estão relacionados a um ditado ou provérbio antigo.

Lorena Ifé usando turbante Encrespando.
Lorena Ifé usando turbante Encrespando.

Segundo Lorena, as cores também são escolhidas a dedo e são sempre cores vibrantes que estão presentes nas expressões mais tradicionais da cultura negra. “No processo de escravidão as cores foram negadas, a população negra escravizada sempre estava vestindo sacos, tecidos com cores cruas e isso perdurou durante muito tempo. Nós fomos ensinados a usar roupas que não chamem muita atenção, o batom sempre discreto, e a proposta da Encrespando é trabalhar com essas cores vibrantes” lembra ela.

Na coleção atualmente disponível a Encrespando apresenta acessórios predominantemente nas cores amarelo e azul, porém Lorena revela que para a nova coleção que sairá ao final do mês de agosto ela já estuda as cores que serão tendência no verão 2016 mas sem perder o foco nas cores vibrantes que são a assinatura da marca. E pelo visto a próxima coleção vem com tudo, “eu quero trabalhar com cores que chamem atenção. Ainda não sei ao certo, mas eu quero trabalhar com verde e agora eu vou inserir elementos geométricos como o quadrado, círculos, e trabalhar com elementos que remetam a estética afro como o pente garfo que veio a tona com o movimento Black Power nos anos 70, 80, sabe?” segredou.

Brincos Encrespando inspirado no símbolo Duafe, objeto de adorno desejado pelas mulheres Akan.
Brincos Encrespando inspirado no símbolo Duafe, objeto de adorno desejado pelas mulheres Akan.

À flor da pele 

Agora, se você é uma pessoa negra que usa maquiagem, sabe que o mercado de cosméticos no Brasil ainda está em falta com a pele negra. Há uma enorme variedade de tons de pele negra, mas o mercado de beleza não tem oferecido produtos na mesma proporção. A supertop britânica Jourdann Dunn em 2013 já expôs a dificuldade de encontrar um maquiador que entenda as nuances da pele negra nos bastidores.

No mesmo ano, surge em Cachoeira o site Herdeira da Beleza do jornalista e maquiador Tássio Santos, inicialmente um blog utilizado como canal de divulgação e venda de maquiagens, hoje ele foi reformulado para se tornar um veículo jornalístico especializado em beleza negra. O site conta com dicas de cuidados com a pele, conselhos sobre os melhores cosméticos para cada tipo, dicas de auto maquiagem, além de servir para divulgação do trabalho de Tássio como maquiador.

Casamento Afrocêntrico, na foto a noiva Denise Santos. Make por Tássio Santos.
Casamento Afrocêntrico, na foto a noiva Denise Santos. Make por Tássio Santos.

“Enquanto consumidor negro, tanto de cosméticos quando de notícias, eu achava que eu não tinha a atenção necessária da mídia, daí resolvi criar meu próprio conteúdo. O público aceitou, ainda não tem muita gente falando disso na internet então rola identificação imediata do público”. Tássio conta também que após cursar maquiagem profissional na Makeup Atelier Paris, uma das escolas mais tradicionais do mundo, muita gente tem se interessado pelas suas oficinas “Já rodei alguns estados e até países fazendo curso de automaquiagem” comentou ele.

Tássio que geralmente é convidado para ministrar oficinas de auto maquiagem em eventos que promovem a valorização da estética negra diz que enxerga esse trabalho também como uma luta política porque pode compartilhar experiências com outras pessoas negras e se colocar como opção diante da ausência de maquiadores neste seguimento.

Você tem Swag?

A moda que desfila nas ruas de Cachoeira, sobretudo nos corpos mais jovens, tem influência massiva do ‘black style’ norte americano. O termo Swag muito comum nas letras das músicas de Jay-Z, Lil Wayne, Drake e outros rappers estadunidenses é uma gíria usada para se referir à “estilo, maneiro ou legal”. Como o termo se originou no rap o estilo segue algumas tendências do hip hop, como calças largas, camisetas ou jaquetas também largas, porém com bastante estampas e xadrez. Sem esquecer dos acessórios básicos como o boné de aba reta e óculos escuros.

Igor Fróes eleito "Garoto GAMGE" e os primos Matheus e Thiago Barbosa vestem camisetas King.
Igor Fróes eleito “Garoto GAMGE” e seus primos Matheus e Thiago Barbosa vestem camisetas King.

Seja no estilo jogador de basquete ou nerd negro norte americano alguns rapazes e moças se destacam por ostentar o estilo que virou febre entre os adolescentes e jovens de Cachoeira.  Tal fenômeno pode ser notado em festas e eventos públicos da cidade onde as camisetas long line com barra da Kings (aquelas camisetas mais longas) e as croppeds e vestidos também da Kings é uma indiscutível tendência. A marca gringa famosa pela logo do macaquinho estampada nos produtos que vão do boné ao tênis sintetiza bem o conceito swag de moda. Despojado, alegre e cheio de atitude. Confira a moda swag e muitos outros looks na galeria de estilos de Cachoeira e inspire-se!

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